Bem, não creio existir uma unica
razão para se fazer qualquer coisa...não sei porque escrevo e nunca me detive
muito nessa pergunta, mas tenho certeza que uma das respostas seria porque preciso me
expressar, a escrita é como a colheita, o resultado da semeadura amadurecida...
Lembro, por muitas razões, que
fui uma menina calada e de natureza contemplativa; elaborava no pensamento as mais
improváveis histórias, partindo das minhas observações e pequenas experiências,
e o universo mais rico no início era a minha própria família; ela me inspirou
por muitos e muitos anos... lembro que um dos meus irmãos mais velhos tinha um
amigo, Manolo, que dizia: “sua família é sui generis”. Eu nem sabia o que queriam dizer aquelas palavras, mas achava a frase imponente, "devia ser uma coisa bonita". Hoje, sei que éramos mesmo dessa forma, mas só
tive consciência do seu significado mais profundo muito mais tarde, quando meus pais já
haviam falecido, e fiquei um pouco perdida, porque aquele mundo se desmoronou...
Quanto à minha natureza, acho que
nunca foi bem compreendida, pois era avaliada como uma “menina de natureza
birrenta, calada, esquisita”, porque, ou não correspondia ao que esperavam de mim ou tinha sempre muitas perguntas, perguntas caladas, principalmente - pois queria entender o que acontecia ao meu redor - ou então tinha resposta para tudo, já que minha imaginação era uma roda viva. Mas eu achava aquela avaliação uma injustiça que não conseguia combater. Não tinha argumentos suficientes
para explicar algo que nem mesmo eu compreendia àquela altura. O que lembro
muito vivamente é que observava tudo, percebia pequenas coisas e detalhes aos
quais ninguém dava importância, e aquele universo ainda permanece em minha cabeça
querendo sair, porque compõe o extenso e profundo rio das minhas experiências e lembranças mais remotas e fortes.
Entretanto, em compensação,
lembro que uma unica pessoa chegou mais perto de mim, de como eu realmente me sentia... D. Maria
José, uma amiga de minha mãe, cujo comentário, menos duro, trouxe certo alívio: “essa menina tem um olhar de anjo”. Mas
não era nada disso! “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”; eu só tinha o hábito
de observar as coisas e logo elucubrar ideias e histórias fantasiosas, já que não tagarelava muito... lembro
de ter dançado em bailes nos salões vazios do velho sobrado do Engenho de cana de açúcar dos meus bisavós, usando belíssimos vestidos rodados e coberta de
joias... de frequentar palácios... de viajar em asas de borboletas floresta
adentro... de conversar com lagartas e cavalos. Quando ia passar férias lá na
fazenda, eu percebia que os bezerros
choravam porque suas mães precisavam seguir para a ordenha, separando-se deles;
eu ouvia o vento cantar quando soprava nas palhas do canavial, ouvia o gemido ou os resmungos dos pobres animais que puxavam o pesado carro de boi que levava a cana para moer... o meu mundo interior era muito rico e me bastava, e me fazia feliz...
Como toda menina de mente fértil, eu também conheci um príncipe, que nem percebia a minha existência; era o meu
amor impossível; àquela altura, aos 14 anos, pois nessa época a infância era
vivida por mais tempo, eu não sofria, e achava isso até muito romântico e
normal como acontecia nos contos de fada, e eu tinha prazer em parecer com os personagens das histórias que gostava de ler.
Só pelos dezesseis anos, comecei a ter necessidade de externar o que
sentia; pensar ou sonhar não era mais suficiente. Primeiro, comecei a desenhar, e
minha mãe, que fora criada num ambiente cultural muito rico, tratou logo de me matricular num curso livre de desenho. Enveredei
pela pintura, fiz muitos cursos, mas não me satisfiz e parei com tudo. Aquela ebulição voltou a incomodar dentro de mim, e comecei, então, a
escrever coisas que não mostrava a ninguém, mas parei outra vez.... Segui minha vida quase normalmente:
fiz duas faculdades, casei, não com o meu príncipe dos 14 anos, tive dois
filhos, e exerci minha profissão de bibliotecária, num centro de pesquisa. A vida seguiu seu curso, e anos depois, precisei começar tudo do zero, mas já sem a
presença dos meus pais...
Resolvi mudar de profissão, fiz o curso de Letras, e fiz um concurso para professora do estado. Não creo em acasos, mas recomecei timidamente a escrever, sem mostrar a ninguém, porque “não queria me expor; eram coisas
minhas, quase segredos”...Mas um dia, inesperadamente, resolvi mostrar uns
textos a uma colega de trabalho, que os achou “muito difíceis de ler...você diz coisas que
ninguém conhece; elabora muito o pensamento...” Parei! uns dois ou três anos
depois, sem pressa, resolvi me aventurar outra vez e alcei voo, insegura, para
ver se alguém me entenderia dessa vez...
Eu não conseguia desistir embora
tivesse tentado fazê-lo várias vezes. É mais forte que eu; ler e escrever é quase
uma compulsão, inclusive, porque cresci numa família muito voltada para a
cultura e a arte. Meu pai escrevia, tocava piano muito bem, e dançava melhor
ainda; em datas como aniversários, Dia das Mães ou aniversário de seu
casamento, não comprava cartões; ele mesmo escrevia belos poemas para minha
mãe...ela, por seu lado, era uma leitora contumaz e também gostava de escrever,
assim como seus irmãos, que eram poetas de extrema sensibilidade...logo, foi
difícil fugir à minha sina (risos)...
Diante dessa constatação, juntei meus cacos e
resolvi mostrar o resultado de tudo, através da literatura, numa (des)ordem que
me faz muito bem...pois duas coisas me impulsionam e me instigam ao escrever;
aprisionar momentos e experiências extremamente fugazes da minha vida pessoal, do meu imaginário e da vida ao
meu redor, e outra, partilhar essas coisas, essas experiências, que, nessa
troca, tanto me enriquecem e estimulam a observar aspectos novos ou antes
despercebidos. Neste momento, é como percebo a questão...
Nenhum comentário:
Postar um comentário