quinta-feira, junho 28, 2018

Fantasmas... (Guacira Maciel)


      
         (Fragmento. Em homenagem a meu pai e à terra que ele amava)

       Estou escrevendo sobre uma saga de família, da Chapada Diamantina, mas não posso continuar sem tomar partido, sem optar por uma tonalidade, fingindo que todas elas são iguais...
Hoje, aquela parece uma terra sem filhos; terra cujos seios foram sugados até sangrar; cujo ventre teve suas vísceras expostas, reviradas e devoradas por batalhões de formigas gigantes, predadoras, silenciosas, vorazes, que lhe sugaram os mais íntimos sucos, deixando-a calcinada, exangue, murcha, exaurida e caída sobre as próprias dobras de pele ressequida, onde se formaram enormes buracos que expunham como fantasmas esfarrapados, as entranhas de uma terra sem orgulho, sem pudor.
Os dedos sangrentos pelas marretadas cujas articulações mais pareciam antigas dobradiças, já invisíveis por causa do inchaço, faziam lembrar garras; dentes podres em bocas de hálito fétido, somado ao oco de estômagos completamente vazios a dias, famintos, donde só se ouviam os ecos dos gases que os empanzinavam e iludiam. Olhos cuja menina se transformara em raios febris, ardentes, que se perdiam nas noites orbitais, fundas; olhos sem brilho, vítreos, vermelhos por causa da graça do sono que não lhes fora concedida, assentados sobre caras mascaradas pelo pó que esculpia novos seres, e tão permanente nas escavações, que não poupava nem o terceiro olho que, por vezes, se lhes acrescentavam, fazendo lembrar os terríveis ciclopes. Eram restos de unhas ocres, purulentas, que rasgavam a nu a terra, ferindo e infectando sua mucosa antiga, brilhante e acetinada, buscando usufruir de um cio que não lhes era devido.
E os corações? deles, o grito ensaiado para a hora esperada, e temida, que sequer lhes chegava à garganta por ausência da saliva lubrificante; apenas um choro seco vertido sobre corpos desidratados, quase mumificados, que  se arrastavam com seus dorsos alquebrados sobre a desistência da terra e seu silêncio dolorido. O mais inacreditável é que, ao fim do dia, do qual já nem lembravam a luz, o brilho, a cor, pareciam não ter sido afetados. Não se queixavam, não desanimavam de alcançar o objetivo primeiro; geralmente, só a morte os arrancava dali; não desistiam do seu sonho; mas de si, via-se que sim! porém, pareciam já anestesiados, não exibiam a dor que lhes oprimia o peito, fazendo abater a alma...
Na Chapada, o final do século XIX trouxe o novo regime político ( República ), e mudanças profundas, e o medo deu origem ao “coronelismo”. O governo, como alternativa de convivência com o sertanejo, começou a vender patentes - de até coronel - da Guarda Nacional, nomeando-os para ocuparem cargos na administração federal, o que fomentou uma guerra entre os coronéis de Minas Gerais e da Bahia. O lado vencedor, liderado pelo coronel Horácio de Matos, da Bahia, foi considerado o grande líder na região, porque os mineiros serranos representavam grande população nos garimpos da Chapada do lado de lá, apesar de saírem daqui da Bahia, as toneladas de ouro e diamantes para a Europa e todo o mundo, ainda que as Minas Gerais fossem também uma região de subsolo muito rico e de lavra...

Do meu romance, a ser publicado em breve: "Cruz do meu rosário; um amor na Chapada".



terça-feira, junho 26, 2018

Pois é.... (Guacira Maciel)

Voltei...voltei, depois de um tempinho sem postar e sem inspiração para escrever, porque minha maior fonte de inspiração, meu companheiro de outras vidas, desencarnou antes de mim, como queria...apesar de eu ter dito que queria ir primeiro, daqui a mais uns aninhos....




 A prestigiada Sorbonne foi criada por Roberto de Sorbon, em 1257, onde, inicialmente, eram deliberadas as questões gerais da Faculdade de Teologia, vindo depois a ser conhecida com o atual nome, Sorbonne, e a ganhar lugar de destaque na sociedade, inicialmente, por intrometer-se em questões sobre as quais não tinha autoridade para arbitrar. Mas seu poder se tornou tão grande, que, com frequência, era consultada para opinar sobre contendas as mais inusitadas, como assuntos legais. Entretanto, ela sempre foi uma referência, sendo sua Biblioteca, considerada a Oitava Maravilha, e sua Metodologia de ensino e oráculos como modelos. Mas ela, pretensiosamente, se envolvia em outras áreas, chegando a emitir veredictos que eram inquestionáveis, influenciando a opinião pública, e os juízes não ousavam contrariar. Por exemplo, quando Martinho Lutero, monge agostiniano e professor de teologia, se insurgiu contra a igreja católica, e o que entendeu abuso de autoridade papal, a questão não teve repercussão a não ser nos meios eclesiásticos. Naquela época, poucos tinham acesso à Bíblia, inclusive porque a única tradução disponível estava em latim, e, como Lutero sabia ler latim, além da língua hebraica, língua original em que fora escrita,  esse conhecimento permitiu que ele explicasse as Escrituras para que as pessoas comuns pudessem entender, chegando a criticar a igreja católica por estar manipulando-as e se desviando da verdade. No entanto, o que mais chamou a atenção e tornou Lutero mais conhecido, foi sua coragem e a revolta contra a venda de indulgências por parte de padres, que ensinavam ser possível comprar o perdão dos pecados mediante o pagamento de dinheiro à igreja; eles chegavam a montar uma espécie de tenda para a venda à frente dos templos... esse comércio absurdo inspirou Lutero a escrever as ”95 Teses", provocando um grande debate com a liderança da igreja católica. Já tinha havido outras tentativas de reformar a igreja, em vão; as pessoas que ousaram eram ignoradas ou firmemente perseguidas. A insurgência de Lutero desagradou a Sorbonne, que o acusou publicamente de “herético, falso profeta e anticristo”, transformando a questão em algo muito maior e mais sério, banindo o monge dos seus espaços de ensino do grego. Ela afirmou que o estudo dos clássicos conduzia à heresia e quem se dispusesse a ler a Bíblia no original, e procurasse aprender o hebreu, era destinado a morrer queimado. Em sua ortodoxia, só os padres regulares podiam “estudar escritos antigos e analisar as novas contribuições da civilização”. Fato é que Lutero não foi queimado, embora perseguido pela Inquisição, e, tendo se recusado e desmentir suas afirmações, foi excomungado da Igreja Católica. A partir daí, ele e aqueles que o apoiavam, inclusive muitos nobres que não gostavam da interferência da igreja em seus assuntos políticos, foram, definitivamente, separados de outros católicos e fundaram igrejas que ficaram conhecidas como Protestantes. Esse movimento cresceu e se espalhou pelo norte da Europa. Martinho Lutero continuou sua vida de pregações e professor, se casou com uma ex freira, teve alguns filhos e morreu aos 63 anos. 

 (Referência, J.W. Rochester, do livro “A noite de São Bartolomeu”).