(Fragmento. Em homenagem a meu pai
e à terra que ele amava)
Estou escrevendo sobre uma saga de família, da Chapada Diamantina,
mas não posso continuar sem tomar partido, sem optar por uma tonalidade,
fingindo que todas elas são iguais...
Hoje, aquela parece uma terra sem filhos; terra cujos seios foram sugados
até sangrar; cujo ventre teve suas vísceras expostas, reviradas e devoradas por
batalhões de formigas gigantes, predadoras, silenciosas, vorazes, que lhe
sugaram os mais íntimos sucos, deixando-a calcinada, exangue, murcha, exaurida
e caída sobre as próprias dobras de pele ressequida, onde se formaram enormes
buracos que expunham como fantasmas esfarrapados, as entranhas de uma terra sem
orgulho, sem pudor.
Os dedos sangrentos pelas marretadas cujas articulações mais pareciam
antigas dobradiças, já invisíveis por causa do inchaço, faziam lembrar
garras; dentes podres em bocas de hálito fétido, somado ao oco de estômagos
completamente vazios a dias, famintos, donde só se ouviam os ecos dos gases que
os empanzinavam e iludiam. Olhos cuja menina se transformara em raios
febris, ardentes, que se perdiam nas noites orbitais, fundas; olhos sem brilho,
vítreos, vermelhos por causa da graça do sono que não lhes fora concedida,
assentados sobre caras mascaradas pelo pó que esculpia novos seres, e tão
permanente nas escavações, que não poupava nem o terceiro olho que, por vezes,
se lhes acrescentavam, fazendo lembrar os terríveis ciclopes. Eram restos de
unhas ocres, purulentas, que rasgavam a nu a terra, ferindo e infectando sua
mucosa antiga, brilhante e acetinada, buscando usufruir de um cio que não lhes
era devido.
E os corações? deles, o grito ensaiado para a hora esperada, e temida, que
sequer lhes chegava à garganta por ausência da saliva lubrificante; apenas um
choro seco vertido sobre corpos desidratados, quase mumificados, que se arrastavam com seus dorsos alquebrados
sobre a desistência da terra e seu silêncio dolorido. O mais inacreditável é
que, ao fim do dia, do qual já nem lembravam a luz, o brilho, a cor, pareciam não ter sido afetados. Não se queixavam, não desanimavam de alcançar o objetivo
primeiro; geralmente, só a morte os arrancava dali; não desistiam do seu sonho; mas de si,
via-se que sim! porém, pareciam já anestesiados, não exibiam a dor que lhes
oprimia o peito, fazendo abater a alma...
Na Chapada, o final do século XIX trouxe o novo regime político ( República ), e mudanças profundas, e o medo deu origem ao “coronelismo”. O governo, como
alternativa de convivência com o sertanejo, começou a vender patentes - de até
coronel - da Guarda Nacional, nomeando-os para ocuparem cargos na administração
federal, o que fomentou uma guerra entre os coronéis de Minas Gerais e da
Bahia. O lado vencedor, liderado pelo coronel Horácio de Matos, da Bahia, foi considerado
o grande líder na região, porque os mineiros serranos representavam grande
população nos garimpos da Chapada do lado de lá, apesar de saírem daqui da
Bahia, as toneladas de ouro e diamantes para a Europa e todo o mundo, ainda que
as Minas Gerais fossem também uma região de subsolo muito rico e de lavra...
Do meu romance, a ser publicado em breve: "Cruz do meu rosário; um amor na Chapada".