segunda-feira, novembro 28, 2011

Aventura intelectual...(guacira maciel)

Buscadora curiosa, insaciável e ousada como sou, me sinto cada vez mais estimulada a empreender essa aventura intelectual, a escrita literária, especialmente confortada pelo que ouvi a alguns anos de Edgar Morin, em palestra: "nos tornamos intelectuais quando enfrentamos problemas humanos, morais, filosóficos, sociais, de forma não especializada [...]. É preciso ter coragem intelectual", e mais, terem existido muito mais curiosos, ousados e aventureiros, como, Galileu, Pitágoras (570 a.C); Anaximandro de Mileto (609-10 a. C); Heráclito de Éfeso, denominado pai da dialética; Demócrito, expoente da teoria atômica, que sistematizou (já àquela época...) o pensamento e a teoria, tendo avançado o conceito sobre a infinitude do universo, e por aí vai... todos, homens pioneiros ousados, criativos estudiosos, que formularam e propuseram teorias sem aval dos doutorados pela academia. Aliás, eu chegaria até Nostradamus; por que não? embora o meu interesse seja aventurar o pensamento, a minha capacidade criativa, a possibilidade de buscar inter relações, usando a minha capacidade de pensar; não tenho interesse em ficar”polindo” o pensamento dos outros; não gosto de repetições, como um papagaio, inconsciente, sem refletir, sem relativizar e sem que o que repito, sequer, reflita ou represente o que sinto, verdadeiramente, naquele momento...  e um bom exercício para essa amplitude e autonomia de voo, é buscar convergências entre pensadores soltando o meu próprio pensamento, explorando outros universos; esta é a verdadeira aventura intelectual; o nascimento do pensamento novo, que se dá a partir de um processo exploratório, podendo significar, em ultima análise, um mergulho no pensar mestiço, plural, ou...pós moderno...
Bem... a essa altura já estarão me classificando de arrogante, pretensiosa ou louca mesmo... mas é isso aí e talvez, neste caso aqui, possa invocar o “penso, logo...” escrevo. Percebem o que quero dizer? e pergunto: onde se origina o conhecimento, até hoje? não é no senso comum, apesar de Spinosa? aliadas à prática, às experiências, ele é, originalmente, ciência, pensamento e pura filosofia; eu não disse Filosofia pura... segundo o filósofo contemporâneo (acadêmico de muitos títulos) Roberto Machado, “hoje é mais importante saber um pouco de muitas coisas – de filosofia e do que está fora dela – do que muito de uma coisa só” (Revista Filosofia, nº 32/ ). Eu concordo plenamente.
Pensar, essencialmente, é uma espetacular demonstração de consciência, de sensibilidade, entendida como um privilégio do ser humano, pelo menos até agora (eu não creio nisso, mas...). Entretanto, poder-se-á, daqui a pouco, chegar à consideração de que aqueles tidos como irracionais também pensam e eu, sinceramente, acho que sim. Até porque, não é incomum hoje, os que são entendidos como racionais, não pensarem...seria isso evolução? Um caso a ser pensado...

domingo, novembro 20, 2011

Profano (guacira maciel)

Peguei de volta as minhas alvoradas
e a paz de antes de ti
retornei de coração vazio das auroras boreais do teu olhar
recolhi as minhas frágeis asas de cristal
destroçadas pelos raios dos círculos de aço da tua íris
insensível e perversamente fita no nada
arranquei da minha intimidade as marcas impuras das tuas garras profanas
e dos teus dentes obscenos

que dilaceravam minha alma
escondidos sob a seda dos meus lençóis
já não sugarão a polpa doce
os teus lábios mentirosos em rictus de morte
rasguei todos os versos a duas e a quatro mãos
também soltei ao sabor das tempestades
as amarras dos barcos
entremeados da solenidade dos musgos
naquele cais imaginário
que se roçavam sensuais ao sabor das vagas de brisas imprecisas
rasguei as rendas tecidas pelo sol sob a sombra do teu cílio
libertei a mariposa do círculo de luz que limitava o vôo
e prendi os meus cabelos esvoaçantes sob o efeito de um vento de lugar nenhum
que escorriam inocentes por entre os dedos da tua mão
sob o teto do gazebo imaginário
sinto-me
afinal
vazia de ti
e livre
e pura
e plena
e pronta outra vez
porque percebo mais horizontes para a minha sede
do que dores na minha alma.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Aranha; gênero feminino? (guacira maciel)

Na verdade, a história de Penélope já foi alvo de bastante discussão e análise, talvez quase que no mundo todo e por vários autores. Segundo alguns deles, Penélope teria sido a primeira mulher na história que pode decidir seu destino; entretanto, faço outra leitura acerca do assunto.
Vejamos: mesmo que tenha sido seu pai, praticamente, a forçá-la a casar-se, o marido, sensível ao seu sofrimento, lhe teria dito que estaria livre para voltar para casa. Observo nessa atitude um ato amplo de amor ou generosidade, mas que partiu dele; ele “permitiu” que ela voltasse a viver com o pai, se quisesse. Ela não teve autonomia para decidir não casar; apenas pode optar entre duas alternativas que o marido lhe oferecera, e mais, viveria sob a guarda e proteção de um homem ou de outro. Sem dúvida, ainda assim, existe um pioneirismo nessa história feminina, mesmo que não tenha partido dela a ousadia de posicionar-se contra uma decisão masculina; mas quem surpreendeu verdadeiramente foi o marido. Àquela época um homem não demonstrava tal grau de sensibilidade; os sentimentos das mulheres não eram, sequer, assunto para ocupar os pensamentos masculinos. Geralmente nem a chance de optar era possível a elas; por isso até posso entender que o tenha amado.


Quanto à segunda oportunidade de opção, restringe-se ao uso que fazia dos momentos de retiro compulsório de que dispunha, em função de ter uma vida reclusa por imposição de um filho adolescente difícil, até porque não se conformava com a prolongada ausência do pai. Aí, sim, criou; escreveu seu texto, sua história, tecendo e desmanchando tanto a mortalha, quanto o pensamento, porque tinha um objetivo: não se casar com outro homem; a mortalha era apenas a desculpa enquanto encontrava uma saída para si. Talvez – vá se saber! – ela estivesse pensando em, além de se preservar com o estado de espírito em que o marido a deixara antes de partir, uma vez que lhe dera chance de fazer uma opção em outro momento - ainda que entre duas alternativas suas – ou então, ser fiel a si mesma, o que seria bastante significativo e inusitado. Penélope criou, elaborou o pensamento – teceu - fazendo relações e utilizando uma estratégia para se livrar de um segundo casamento; mas não pode simplesmente dizer em nenhuma das vezes: não, eu não quero me casar!
Na verdade, sem poder decidir, ela fabricou uma oportunidade, utilizando uma desculpa: criou um texto na composição de uma mortalha; essa mortalha, na verdade, se constituiu a urdidura do texto maior: decidir a própria vida (não se casar); Penélope aprendeu a fazer opção (e gostou), a elaborar o pensamento, a lutar, com as armas de que dispunha contra o que não concordava e, sem dúvida, isso foi pioneirismo. Decidir implica em liberdade para analisar, refletir e seguir um caminho usando o livre arbítrio a partir de referenciais pessoais; bem diferente de optar entre duas alternativas que nos são apresentadas, porque estas significam limites que não são os nossos, que são delineados por outrem, como um roteiro. Para mim, ela só foi livre quando engendrou, quando criou, quando teceu o pensamento, estabelecendo relações; sua independência foi puramente criativa.
A idéia do tecer e tecer, que usou como forma para ganhar tempo ou pensar em uma saída para não se casar, mesmo, como já foi dito, que o seu marido estivesse morto, nos remete à idéia de construção de uma teia feita por uma aranha feminina (o que não sei se é verdadeiro). E o que era ela, senão uma aranha solitária tecendo sua proteção contra os ataques, do filho, dos pretendentes, dos criados, da vida?...
Há uma outra questão importante a ser discutida; intimamente Penélope não se comportou dentro dos padrões da sua época, em relação à submissão feminina, especialmente das mulheres casadas (ver Mulheres de Atenas, de Chico Buarque de Holanda). Penélope não fez isso! O equívoco que aponto, em se tratando dessa mulher, é que ela não se comportou exatamente como as mulheres daquela época, ainda que socialmente tivesse mantido a postura que dela era esperada. Tanto que o rei Agamenon sobre isso teria dito: “A alma do filho de Atreu exclamou: ditoso filho de Laertes, industrioso Ulisses, grande era o mérito da que tomaste por esposa. Nobre os sentimentos da irrepreensível Penélope, filha de Icário, que soube manter-se sempre fiel a seu esposo Ulisses! Por isso, jamais perecerá a fama de sua virtude, e os Imortais inspirarão aos homens belos cantos em louvor da prudência de Penélope...”
Bem, creio que a fidelidade teria sido muito mais a si mesma do que ao marido, mas prudente, ela foi, sim; e sábia! A mortalha a ser tecida foi um ardil, porque sabia que esse costume seria respeitado por seu filho e pelos pretendentes. Àquela época era costume das mulheres tecerem uma mortalha para familiares que estavam prestes a morrer. E o que fez ela em sua prudência? Anunciou que após tecer a mortalha do sogro, que achou, morreria ao vê-la se casar outra vez, escolheria um dos pretendentes para marido. Aliado a isso, sabiamente finge uma subserviência que estava longe de sentir, acredito, usando, inteligentemente um costume socialmente respeitado, enquanto tecia outra e consistente teia, como nossa velha conhecida aranha tece sua proteção.
Nessa urdidura ela lança mão dos mais variados fios: o costume da época e lugar, sua revolta por ver-se outra vez submetida às vontades alheias, quando já experimentara o gosto de poder optar antes, aliado ao fato de, simplesmente, decidir continuar com o estado de espírito que conquistara com a cumplicidade do marido. E mais, já experimentara no casamento, o comportamento dos homens, quando se tratava de preservar seus direitos naquela sociedade; de forma geral eram beberrões, agressivos, glutões, insensíveis, infiéis...Quereria correr esse risco?
Observemos que há estreita relação entre o ato de tecer e de pensar, porque quando pensamos construímos relações; criamos elos (como uma teia) que servirão de base para um argumento que dará origem ao texto final. Neste momento, na elaboração da minha teia argumentativa, poderia me referir a Platão, que encontra afinidade entre o tecer e formas de estar no mundo e na sociedade, quando diz que a atividade de um político se assemelha à da tecelagem, em que deverá saber cardar (separar os fios) e fiar, porque teria a missão de unir o tecido maior e o menor para adequar a vestimenta, ou seja, o resultado que nada mais seria, que a elaboração da trama que sustentaria sua argumentação quanto a ser esta missão uma arte; a de conduzir homens.
E o que Penélope fez? Ela construiu uma trama – tramou – como base para sua argumentação/intenção de não se casar. Ela construiu duas tramas muito semelhantes e que se completam; pensou (uma trama) e teceu (outra trama), construindo dois textos que se entrelaçam, como um único, o texto final: não se casar. Fosse porque quisesse esperar um marido que não acreditara morto ou, simplesmente, estivesse bem, ou ainda visse naquela mortalha o encerramento da sua possibilidade de amar; o fim de tudo – a satisfação interior.
À medida que tecia Penélope construía uma base fortalecida por nós que ia dando, para que o tecido final não se desfizesse, mas oferecesse a necessária consistência, com todo o rigor técnico. Assim, nada podia escapar à sua previsão ao desmanchar aquela malha, que se constituíra a base da sua argumentação para a recusa. Esses nós, como o pensamento, firmaram a urdidura que segurou a composição daquele texto.
Interessante, percebo que quanto mais penso, quanto mais teço o pensamento, quanto mais o elaboro, mais fios e os mais diversos, encontro para fundamentar o que preciso dizer; e mais relações encontro entre o ato de tecer, de tramar - e de viver - uma urdidura que sustentará a trama deste texto ao escrevê-lo, produzi-lo.
No caso Penélope, extraordinariamente claro, encontro fios que pertencem a outros textos: mas o fio condutor foi o amor: por si mesma; pelo marido; pela liberdade. Essa foi uma construção, um texto escrito sobre firme urdidura. Percebem a sutileza? Agora, há outros sentimentos, outras paixões que transversalizam o amor, que são como ventos fortes, chegam de repente, não têm uma existência urdida, tramada, são fugazes como fios soltos, embora não deixem de afetá-lo. Sabemos que Ulisses também tramou para se defender da Deusa Calipso, tapando com cera os ouvidos dos seus tripulantes para que não ouvissem o canto mortal que, equivocadamente, se pensava ser das sereias, e se amarrando ao mastro do navio para não sucumbir, já que decidira ouvi-lo. Embora, lógico, não tenha sido criativo como a aranha encarnada por Penélope ao urdir toda uma teia argumentativa.
Perceberam que a minha própria argumentação se constituiu a urdidura do meu texto final, que teci o pensamento como uma aranha a teia, e fui dando os nós que seguraram a trama firme da argumentação? E o melhor, levei vocês a urdir também, a elaborar o pensamento, fazendo as necessárias relações para a construção de outros textos sobre sua própria urdidura; outros tecidos. Bom...

domingo, novembro 13, 2011

Políticas de Educação para a inclusão e o desenvolvimento (guacira maciel)


A história da humanidade é cada vez mais a disputa de uma
corrida entre a educação e a catástrofe.
Wells, H. G.

O Brasil é um país imenso e, portanto, inacreditavelmente diverso, e não estou falando apenas da sua extensão territorial; sob certos aspectos a sua diversidade é desconhecida dos próprios brasileiros...creio mesmo que é meio teórica a diversidade de que se fala quando são pensadas as políticas de inclusão, em todas as circunstâncias. Por esta razão, há que se ter cuidado com propostas que possam correr o risco de se tornarem inviáveis em consequência desse desconhecimento, porque a diversidade não ocorre por região (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste...), e sim em cada contexto, em cada pedaço de chão... Atualmente estou tendo uma das experiências mais inesperadas, mais emocionantes, mais interessantes, mas também das mais tristes, através de um programa de educação que oferece uma metodologia muito específica e rica para se trabalhar com as crianças e jovens do campo, em classes multisseriadas.
Sempre vi essa oferta com ceticismo por não acreditar que fosse pedagogicamente viável, aliás, achava que ela ia de encontro às teorias didático pedagógicas modernas, e que a aprendizagem fosse quase impossível de ocorrer em uma sala onde estivessem presentes alunos em estágios e ritimos diferentes; idades diferentes, e por ai vai...Entretanto, ao entrar em contato com a realidade dessas pessoas do campo, para as quais essa prática pedagógica se constitui a unica oportunidade de escolarização, e mais, comprovar que ela funciona, que torna possível o sonho de aprender de tantos brasileiros, comecei a questinar tudo o que aprendi em tantos anos como educadora, e o meu desconhecimento de questões tão sérias como essa realidade em que vivem tantos irmãos.

Se apropriado por poucos, o conhecimento perde a dialética com a vida, deixando de ser um processo emancipatório para tornar-se instrumento de desigualdade, que segrega os grupos sociais. Historicamente, no Brasil a educação dos jovens que se encontram excluídos do processo de escolarização quase sempre se pautou por uma vertente assistencialista e compensatória, através de projetos destinados a subgrupos, muitas vezes organizados em horários alternativos em escolas sem condições de funcionamento e sem preocupação com a qualidade, perdendo-se o compromisso de atender aos anseios das pessoas e distanciando-se dos anseios dos educadores, como responsáveis pela mediação no processo de aprendizagem.

Mas se vêm instaurando políticas que pretendem respeitar o direito constitucional dos sujeitos em lugar de ofertas quase subjetivas de educação, que implicam diretamente em financiamento direcionado, com previsão orçamentária e perspectivas de crescimento da oferta e a continuidade das ações, sendo importante dizer que as populações jovens que estavam fora da escola já se encontram incluída nessas políticas, com propostas de educação sistêmica, embora num tempo diferenciado, que considera os sujeitos em suas múltiplas dimensões.
Essas abordagens tratam da educação básica presencial, cuja busca é a inclusão, com qualidade, na rede de escolas do sistema público, visando que o jovem, além do desenvolvimento do sentimento de pertencer a um grupo em que possa se identificar através de valores culturais e históricos similares entre si em um processo dialógico com a comunidade, também abrindo perspectivas de desenvolver seu potencial pessoal para contribuir com o desenvolvimento regional, iniciado com o local/endógeno, no seu contexto de vida, porque esse modelo se estrutura a partir dos próprios atores locais, uma vez que é importante evitar o êxodo rural, e fixar em melhores condições o homem no local onde vive, para que ele não se veja obrigado a emigrar para outras regiões, apenas, porque não tem o necessário para uma vida digna.

Estou me referindo com mais ênfase a essa proposta de educação específica com a qual estou construindo relações, que é realizada através das classes multisseriadas e que eu classificaria, a priori, como especialmente compensatória na perspectiva referida acima, mas reavaliada como extremamente necessária, assim como única possibilidade de oferta, e possível de ser feita com qualidade, dentro dos limites impostos por inúmeras dificuldades, porque muito ainda precisa ser feito, embora o material didático seja muito bom, interessante e de uma qualidade que evidencia que se está tratando essas pessoas com a dignidade a´qual têm dreito. Assim, em sua gênese, essa oferta precisará estar consciente da importância em oferecer uma educação prioritariamente humanística através de sua proposta curricular, uma vez entendido o papel social da escola, que faça sentido, que considere atender aos anseios dos estudantes em relação a uma aprendizagem qualitativa, encaminhamento à busca de consensos, fortalecimento do sentimento de solidariedade, bem como da compreensão, valorização e transmissão crítica dos valores culturais, entre outros citados. Entretanto, se faz necessário não provocar distanciamento, através de uma visão romantizada do universo real em que esses jovens vivem; um universo cultural com códigos que servem de base para o olhar e as experiências de vida que têm, sendo importante que se esteja atento para esse ser real inserido, muitas vezes, precocemente no mundo da produção, e que seja respeitada essa condição de complexidade.
A priori, as políticas de educação não deveriam estar destinadas a grupos específicos, pois seu objetivo efetivo é combater todas as formas de desigualdades existentes e as formas que excluem os seres quanto à igualdade de condições dentro da diversidade, e das oportunidades. O atendimento às demandas específicas traz em seu bojo o perigo de se fechar à amplitude, privilegiando a uns e negligenciando a outros. No entanto, políticas includentes precisarão corrigir os descaminhos da universalidade a todo e qualquer indivíduo que vive em uma sociedade com elevado grau de desigualdade entre as classes, não significando que se diluam as diferenças entre indivíduos e suas questões de direito quanto à gênero, origem étnica, credo, idade, necessidades especiais, etc. As políticas específicas precisam se respaldar em estratégias que, considerando essas diferenças, possam oferecer igualdade de oportunidades amplas de acesso, ainda que considerando algumas vulnerabilidades de grupos que em sua trajetória histórica foram marcados pela exclusão, apresentando as consequentes sequelas da permanência prolongada nesse estado.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Os pés do defunto (guacira maciel)

Em uma das minhas viagens de trabalho, realizada a poucos dias no sul da Bahia, como de hábito ouvi histórias bem interessantes, mas esta foi hilária pela originalidade e pela forma como foi contada, e assim, não pude me furtar a registrá-la aqui (até porque usos e costumes se constituem cultura), embora tenha me comprometido em não identificar o município para evitar que a narradora fosse expulsa da cidade. Segundo a mesma, lá existe o costume de se velar os defuntos em casa e fora do caixão! O dito cujo é colocado em sua própria cama, enrolado em um lençol, ficando com os pés descobertos, e todo visitante que se aproxima pra prestar sua ultima homenagem, levanta o lençol, dá uma olhadinha no exposto, carpe algumas lágrimas, volta a cobrí-lo fazendo piedosamente o Sinal da Cruz para encerrar o ritual, e depois sai para bater um papinho com os amigos do lado de fora do quarto. O detalhe interessante é que não importa em que condições estejam os pés do convocado ao paraíso. Um dia, tendo ido ela mesma, a nossa narradora, carpir algumas lágrimas no velório de um conhecido, percebeu, indignada, que os pés do defunto estavam imundos, o que a deixou penalizada; então, ao ver que mais uma visita se aproximava, puxou rapidamente o lençol para cobrí-los, deixando-lhe o rosto descoberto e quando a mulher foi cumprir o ritual de praxe, levou o maior susto da vida, ao dar de cara com o morto já descoberto!...

domingo, novembro 06, 2011

As zebras...(guacira maciel)

Esta semana vi um documentário sobre zebras no “Animal Planet”, que me deixou absoluamente encantada, maravilhada mesmo, com a sabedoria da criação...Percebi então, que sempre olhei (se olhei...) para esses fantásticos seres com um desinteresse imperdoável, absurdo e desrespeitoso. E pensei que nada na criação pode deixar de ser visto, percebido e observado com respeito, com atenção, porque a vida é um espetáculo tão profundo, tão absoluto, que se torna uma heresia não perceber isso...foi o sentimento que tomou conta de mim quando olhei para as zebras naquele momento e percebi como são belas. A arquitetura das listras é absolutamente perfeita; elas têm um traçado tão harmonioso, tão em sintonia, que nenhuma delas se perde; uma direção tão específica que nenhuma acaba sem um sentido...Eu sei que nada é aleatório na criação, mas ainda assim, fiquei emocionada com essa harmonia...Na parte mais frontal da cabeça e da cara – a parte que mais seduziu o meu olhar – elas formam um desenho que parece estar sob o efeito ótico de uma lente convexa, porque partem de um molhe comum na parte mais alta, se abrem em ângulos iguais dos dois lados e depois se encontram novamente, passando ao redor dos olhos com perfeição. Outro conjunto parte do dorso em perfeita sinuosidade e harmonia com os músculos, e se encontram na parte de baixo da barriga, sendo que algumas descem pelas ancas até as coxas e depois até as canelas; o acabamento do ponto de onde partem é dado com uma listra dupla no sentido do comprimento, parecendo cobrir toda a coluna até o rabo, onde é finalizada com pelos. Por falar em pelos, a crina, bem curta, também tem total harmonia com as listras das costas...É incrível! Nem o mais perfeito projeto se lhe compararia em perfeição, harmonia e beleza.
E mais, as listras brancas são as que têm o papel de fazer o resfriamento para equilibrar a temperatura interna do corpo. Desculpem, mas espero que possam me entender, porque fiquei em estado de epifania com a beleza desses animas...porém, se fosse observar todos os outros sei que o encantamento seria o mesmo que senti diante das zebras!...

sexta-feira, novembro 04, 2011

Sherazade Contemporânea; introdução do cap.I Encantamento (guacira maciel)

-Vamos dançar?
Senti uma forte pressão no braço e olhei um pouco irritada para ver quem fora tão enfático. Então, me deparei com os mais belos e puros olhos azuis que jamais vira! Uma espécie de nebulosa dourada pairava sobre sua cabeça. Hipnotizada, levantei-me assentindo, o olhar submerso naquele oceano profundo onde brincavam finíssimos raios de sol, inocentemente alheios ao efeito devastador que causaram em mim.
Dançamos sem nos dar conta do ritmo que acompanhávamos. Continuamos assim, encantados, por quase toda a noite, uma das mil e umas que protagonizaríamos nessa nova dimensão. Tudo emudecera; não havia necessidade de música; o som que escutávamos estava impregnado nos acordes dos nossos corações. Também não havia mais ninguém ao nosso redor e o silêncio externo era absoluto. Em algum momento percebemos que todos nos olhavam e só então nos demos conta de que a banda fizera um pequeno intervalo. Saímos, porque entendemos que ficar ali já não fazia nenhum sentido.
Como ambos estávamos de carro, ele pediu para me acompanhar até em casa e nos despedimos com um toque de buzina. Nem nos lembramos de marcar um encontro ou anotar um número de telefone. Apenas sabíamos que nossos locais de trabalho ficavam vizinhos. Mas sabíamos que esse encontro não fora um acaso.
Dois dias depois liguei procurando-o, com a desculpa mais improvável do mundo. Dessa vez ele pediu o número do meu telefone e no dia seguinte ligou para saber se eu gostaria de almoçar com ele.


-Vamos a um restaurantezinho delicioso, onde se faz um carneiro fantástico.
-Nossa!... desculpa, mas eu detesto carneiro!
Ele achou graça e disse:
- Pelo menos é sincera e diz logo o que pensa. Mas lá também servem uma boa variedade de saladas...
O que comeríamos não tinha nenhuma importância, claro, porque o êxtase nos envolvia e a atmosfera mágica daquela noite permanecera entre nós. Só quando nos sentamos frente a frente pude ver claramente aqueles olhos tão azuis que tanto me encantaram. Conversamos bastante, mas nenhum dos dois sabia explicar o que estava acontecendo realmente. Pareceria a quem nos ouvisse, que aquele diálogo não fazia sentido algum, não tinha uma lógica compreensível. E, na verdade, nunca soubemos, porque isso sempre aconteceu enquanto estivemos juntos nos dez anos seguintes, apesar de todas as dores que esse amor me trouxe. Quando nos encontrávamos tudo se recompunha, se regeneravam os ferimentos, e o coração permanecia em paz.
Aos poucos ele foi se revelando um homem extremamente poético e doce, mesmo sendo forte, protetor, decidido. Suas mensagens de email e conversas, especialmente as conversas das madrugadas, eram maravilhosas... ele adorava que eu as usasse como referência para compor alguns dos meus poemas, a exemplo do “Poema a Quatro Mãos I”, que o deixou com lágrimas nos olhos. E como todo aquele clima me encantava!
Continuamos a nos ver diariamente; qualquer coisa era motivo para um encontro, sempre nesse clima de magia. Sentíamos uma urgência tão grande em nos ver, uma falta tão orgânica do outro, que já nos era impossível viver separados. Nossos encontros sempre eram permeados de uma carga emocional tão profunda, que às vezes ele chorava, o que lhe deixava os olhos ainda mais brilhantes e azuis, se isso fosse possível. Como ele sabia do meu amor pela dança, me convidava, até três vezes por semana e sempre era maravilhoso...Um dia ele me ligou da rua perguntando qual o número do meu pé, e disse:


-Á noite quero você com um lindo vestido, temos um programa...e chegou com a mais linda e delicada sandália de altíssimos saltos.


-Vamos jantar e inaugurar esta sandália?


Era comum ele fazer surpresas que me encantavam; quantas vezes eu estava em seminários e encontros, e ele ligava, geralmente em momentos até inoportunos, porém, mesmo ficando constrangida, meu coração enlouquecia de alegria...
- Minha filha, você pode fugir daí agora? Eu estou indo lhe buscar para conversar um pouquinho e almoçar com você.
As minhas amigas já sabiam dessa “loucura” que me acometera e que entorpecia a minha capacidade de raciocinar, acionado um toque especial; então, tratavam de me cobrir e liberar, porque se não fosse assim, eu não conseguiria mais me concentrar em nada.
Um dia, após um desses almoços habituais ele parou em frente a um chaveiro e disse inesperadamente:
- Minha filha, me dê aí a chave de casa – já a chamava a nossa casa -, que vou fazer uma cópia para mim, para que eu tenha mais liberdade de chegar à hora que quiser, sem precisar pedir aos porteiros que abram o portão...
Eu ri.
-Também... para eles é meio estranho vê-lo chegar às duas, três horas da manhã, sem que seja morador do prédio.
Ele riu só de imaginar a cara de um deles, que era muito religioso. Entretanto, suas chegadas intempestivas em nada me incomodavam, ao contrário, me deixavam extremamente feliz e sempre meio alerta, torcendo para que fizesse a ‘surpresa’ de chegar e me abraçar enquanto eu fingia dormir.
- Às vezes vou deitar, mas não consigo dormir. Sinto uma falta tão intensa de você enroscada, dormindo tranquila junto de mim, que levanto, pego o carro e saio sem ligar para avisar, com receio de acordar a “perua”; era assim que chamava, carinhosamente, minha filha adolescente.
Continuamos a nos ver diariamente; quando eu chegava ao trabalho pela manhã, ele já havia telefonado três ou quatro vezes, só para “ouvir a sua (minha) voz e saber se
estava tudo bem”... Aquilo desmanchava meu coração; nunca conhecera tantos cuidados, jamais havia sido tratada com tanto amor e sensibilidade.
Mas eu sentia que algo muito sério sobrevivia sob o comportamento dele; por mais carinho, por mais amor que eu sentisse existir, nós não tínhamos uma vida sexual plena, ele não tomava nenhuma iniciativa nesse sentido. Eu estava intrigada, porque isso não é usual entre duas pessoas que se amam; eu percebia alguma dificuldade em seu comportamento, mas não sabia como abordar o assunto, com receio de ofendê-lo ou que ele me entendesse mal. Sabe-se que essas questões são muito delicadas para um homem; é muito difícil os homens admitirem dificuldades quanto à sua sexualidade. Eu até cheguei a pensar que não o estimulava nesse sentido, que não o atraía.
Uma manhã, logo após acordarmos, ele falou:
- Minha filha, vamos passar o fim se semana em uma praia; você conhece alguma especial?
- Bem... não conheço uma... Mas porque vamos assim, intempestivamente? embora você goste de surpresas, eu também, isso é inesperado em um fim de semana comum...
- Não!...vamos no próximo, que é um fim de semana prolongado.
- Ah!... mesmo?! Meu Deus, eu vou adorar viajar com você, meu urso...(risos)
Ele me abraçou por trás, imitando um urso, e me beijou várias vezes no pescoço; quando fazia isso, era impossível fugir dos arranhões da sua barba por fazer...ele ria, sabendo como eu ficava, e me prendia mais apertado. Ele sempre estava assim, bem humorado. Era maravilhosa a nossa convivência.

quarta-feira, novembro 02, 2011

O currículo... (guacira maciel)

Fragmento de uma pesquisa que analisa as relações étnicas no Brasil e sua participação no currículo da Educação Básica, apresentada e avaliada pela ANPed



(...) O que aqui se põe em discussão e se defende, não é a africanização segregadora e ditatorial, muito menos a continuação da europeização, como há séculos vem ocorrendo no currículo da Educação Básica, mas a inclusão das duas outras etnias, e até culturas mais recentes, como a japonesa, que já se faz presente há mais e meio século e que lentamente vem somando-se às primeiras; defende-se o direito que elas têm de participar desse currículo. Que se fale no elemento africano como parceiro na colonização, o que não seria menos verdade, entretanto, não com inclinação por parte do colonizador, a “transigir”. Na verdade, a fundamental participação do africano na formação cultural do Brasil só ocorreu, porque não havia como coibir algo que ocorria de forma sub-reptícia, mascarada e indetectável, até por necessidade de sobrevivência sócio-antropológica espontânea e cultural, de caráter absolutamente preservador da vida e da cultura, mesmo na situação degradante em que sobrevivia. Há um esforço proposital e inegável em demonstrar que no Brasil essas relações eram pacíficas e harmoniosas, descaracterizando a nobreza na resistência escrava, em oposição à idéia de desumanização e degradação de um povo e de sua cultura. Assim, continua o autor


(...) parece ter predisposto o Brasil a combinar, de forma evidentemente
feliz, presenças aparentemente inconciliáveis os incompatíveis como a
européia e, além da ameríndia, a africana.O mito dessa incompatibilidade
o Brasil vem destruindo da maneira irrecusável (...) vem demonstrando
que podem harmonizar-se sem uma das etnias tornar-se absoluta no seu
domínio sobre as outras. Diga-se talvez melhor: * com as três tendo
oportunidades de se fazerem sentir ... (Idem, Ibidem).


Na verdade, até o presente, é evidente e irrefutável a incompatibilidade das presenças, aqui mencionadas como mito; há, sim, uma predominância étnica, sendo que duas delas vivem em acirrada disputa: a eurocêntrica impondo-se como legítima e superior e a negra brigando para ocupar o lugar que lhe pertence por direito como parte integrante da cultura brasileira. Quanto à terceira, sobrevive em confinados fragmentos de reservas, nas terras que lhe foram doadas pela natureza.
Levando-se em consideração a tese de que o homem “cria, desenvolve e conserva estilos de vida e instituições” que, em sendo autênticos, são “condicionados por situações de espaço físico ou por ecologias que se projetam sobre situações de espaço sócio-cultural”, como enfatiza o mencionado autor em sua obra, o indígena o realizou e não pode ser considerada menos desenvolvida, mas autêntica, de acordo com sua situação, ecologia e espaço físico reais; não se pode estabelecer paralelo entre contextos, realidades ou culturas diferentes. Esse homem é um homem real, que se desenvolveu sob vários aspectos (comportamentos, pensares, instituições, costumes), num contexto real, de acordo com seu lugar, seus espaços físico/ecológicos, extrapolando e ocupando uma dimensão sócio-cultural.
O negro construiu culturas, condicionados por suas realidades, também autênticas, mesmo tendo já estabelecido contatos ancestrais (intra ou extra continente africano), consistentes e duradouros com outras culturas e, nem por isso, abstratas ou menos desenvolvidas. Foram situações experimentadas, vividas, gestadas por novos padrões, até nas relações de submissão ocorridas no seu próprio contexto cultural e espacial.
Embora me pareça que alguns autores justifiquem o fenômeno chamado por Valdemir Zamparoni de “verdadeira amnésia cultural”, não é mais aceitável que isso continue a ocorrer. Chega de lengalenga! Não importa mais que a memória africana esteja ligada por alguns, à imagem negativa da escravidão! É preciso superar isso e partir para novos paradigmas. Grosso modo, a sociedade já está cansada de saber que tudo foi criação, engendrada pela necessidade de ser criada no Brasil uma hegemonia que teria que pertencer à cultura européia. E a escola se constitui um ótimo lugar para se começar essa mudança de fato.
Há que se ter consciência dessa situação, principalmente por parte dos países, considerados, desenvolvidos; se é que se pode dizer que países que passam sua vida perseguindo supremacia econômica, a despeito de todo sofrimento dos países pobres, que não conseguem alimentar, educar e proporcionar vida digna a seu povo, possam ser chamados de desenvolvidos. Essa é uma realidade que não é incomum em boa parte deles:


(...) uma realidade cruel e passível de ser melhorada se considerarmos que em 2003,

o mundo gastou 956 bilhões de dólares em armamento, ¾ dos quais realizados

por países ricos, que representam apenas 16% da população mundial. Esse

orçamento é maior do que a dívida externa de todos os países pobres juntos e dez

vezes maior que todos os recursos direcionados a causas humanitárias, de acordo

com a SIPRI ( Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, Estocolmo, junho de 2004)
(MACIEL, 2005).

O continente africano vem passando ao longo de sua vida, por muitas situações de desrespeito a seu povo, sua história, sua cultura, motivado por uma colonização sem precedentes, seja nas Américas e depois em seu próprio lócus, promovido, inclusive por essa saga, que se constituiu a diáspora. Suas fronteiras foram remarcadas numa atitude de desprezo à suas soberanias, e, à semelhança da homogeneização aqui praticada (como lá), teve suas fronteiras - e identidades - desconsideradas e re-unidas ao bel prazer do colonizador.
Em consequência, como já mencionado, situações em que o orgulho, as crenças, o sagrado, as línguas, as historias, na obrigatória convivência com povos historicamente rivais e/ou inimigos, tiveram suas mais profundas raízes, fundidas, até anuladas para, por força da necessidade de convivência, serem reconstruídas, redimensionadas por novas fronteiras (econômicas, culturais, religiosas...); novos limites.
Outra desastrosa consequência dessa invasão, o esvaziamento das regiões, em função do tráfico desenfreado e feroz, assim como a evasão de riquezas, desequilibrou sua organização sócio-econômica e administrativa, fato que impediu a estruturação de instituições democráticas e de direito, como aquelas que compõem os serviços públicos e assistenciais, o trabalho, a educação, entre outras do mundo contemporâneo, às quais um grande contingente ainda não tem acesso.
Sem dúvida, a África, onde as populações morrem de fome, de doenças endêmicas, inclusive AIDS, se constitui um gigantesco desafio para essa sociedade, e não menos responsabilidade. Mas, é também um manancial de belezas e sensibilidades, que não pode continuar a ser limitado pelas fronteiras da doença, da miséria, e as da nossa ignorância e insensibilidade.
Nas décadas de 20, 30 e 40 os intelectuais brasileiros enfatizaram princípios científicos que passaram a determinar as diferenças biológicas entre seres humanos, sendo esse período o de maior divulgação das idéias racistas no Brasil. Os negros e os pobres se constituíam problema; diante dessa realidade uma das medidas a serem tomadas seria aquela em que a medicina e a escola mantivessem estreitas relações, disseminando políticas de saneamento, higienismo e eugenismo. Médicos e educadores se envolveram na questão, a exemplo de Fernando de Azevedo e o próprio Anísio Teixeira, que eram membros da Sociedade Eugênica de S. Paulo, isso em 1918 (anos 20), tendo Fernando de Azevedo declarado que a educação tinha o papel de regenerar a humanidade. Aqui convém citar o pensamento do conhecido médico criminalista Nina Rodrigues (Bahia), em seu livro Os africanos no Brasil, em que explicita uma problemática teórico/ideológica corroborando o que foi citado:

(...) se conhecemos homens negros ou de cor, de indubitável merecimento e

credores da estima e respeito, não há de obstar esse fato o reconhecimento

desta verdade, que até hoje não se puderam ver os negros constituir-se em povos

civilizados (...) para a ciência não é esta inferioridade mais do que um

fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do

desenvolvimento phylogenético da humanidade(...) ( RODRIGUES, )

Nesse caminho prosseguiu Arthur Ramos, também médico, que, a despeito de ter abandonado o etnocentrismo, influenciado por Lévi-Bruhi (teoria da mentalidade pré-lógica primitiva), situou o negro como passível de ser aculturado por seu caráter de inferioridade cultural.
Durante essa fase, os prédios das escolas tinham características hospitalares, e os negros e pobres precisavam ser socializados dentro dos valores europeus. A partir desse discurso (sob o ponto de vista da saúde), a escola passa a utilizar-se de mecanismos de controle reprodutivos, sociais e morais, no discurso de que era uma forma de proteção aos estudantes, ensinando-lhes hábitos sanitários, como forma de preservação da saúde e a prestar assistência física e psíquica (...).