sábado, setembro 13, 2008

Asas... (guacira maciel)

Uma das minhas ocupações favoritas é refletir sobre o que percebo no nosso cotidiano, sobre as coisas aparentemente banais que nos acontecem...Gostaria de iluminar as palavras que usarei para dizer coisas simples; elas são tão simples, que talvez precisassem disso. Poderão parecer coisas dispersas, mas estou me abrindo ao pensamento da forma mais acolhedora e em sua forma mais primitiva.
As palavras sempre me parecem não serem suficientes para traduzir o meu sentimento, mas não há como ser diferente; vou tentar encadeá-las de forma a dar algum sentido ao pensamento, incontido. Tentarei, assim, compor uma trama, criar uma teia, como tão bem fazem as aranhas, embora sem nenhuma intenção de apresentar alguma coisa que faça sentido para o mundo. A teia precisa fazer sentido para a aranha.
Assim, cheguei à conclusão cristalina, que o verdadeiro nome da felicidade é asas...no plural, porque é impossível voar com apenas uma delas; é preciso um par de asas para se fazer alguma coisa; mesmo porque os meus vôos são rasantes, eu sou uma principiante, plena de total imperícia. Por isso se diz que a felicidade não existe, ou que é feita de momentos, e seria um estado de espírito; eu concordo no segundo caso, porque espírito para mim, também pressupõe asas... ou a condição de mover-se e poder estar rapidamente em universos diferentes. (Sempre que escrevo a palavras asas...coloco reticências, porque tenho vontade de largar tudo e sair voando por aí).
Entendo que se a felicidade ou a possibilidade de ter asas...fosse algo prosaico, corriqueiro, ou perene, não teria o valor de uma jóia especial, como o ouro das areias do fundo do mar ou um deserto de incontroláveis ondas. Ela, a felicidade, vive, exatamente, na idéia da impossibilidade e aí, quando lhe damos com a cara, ficamos como bobos, porque antes jurávamos que ela não existia; ficamos em êxtase, com falta de ar, afogados em nossa própria perplexidade, ou sentindo a insegurança tão comum àqueles que estão acostumados ao peso trágico dos grilhões.
A grande maioria de nós, procura a felicidade em algum lugar físico, fora do peito, como se ela pudesse estar aprisionada e de repente liberta e oferecida por alguém, que não nós mesmos; por uma realidade palpável, por uma materialidade qualquer. Penso que estar feliz é não tentar ter controle sobre qualquer coisa (esta, sim, é uma ilusão – o controle); é metamorfosear-se e isso só está ao alcance de quem percebe que tem asas...não importando o tamanho, e se dispõe a usá-las; deixar cair a máscara da perfeição de mortos-vivos e vestir aquela que nos conduz ao sonho, à liberdade, como entrar numa espiral, num vórtice encantado, como , simplesmente, estender-me sobre a almofada macia e dourada do teu peito....
Deve ser por isso que se diz ser a felicidade fugaz, feita de momentos, como os sonhos.. ora, não se sonha o tempo todo! Por isso também ela seria um estado de espírito; porque será preciso esquecer o peso do corpo para usar asas...juntos, eles são incompatíveis. E só assim teremos como compreender que o nosso infinito interior é tão mais vasto e ilimitado que todo o universo e que nele temos a condição de empreender vôos tão ou mais profundos e enriquecedores; entretanto, será preciso que deixemos amanhecer a consciência, que geralmente transita nas sombras do noturno.
A única condição, creio, é não tornar essa leveza insustentável, perdendo-nos na nossa própria força de gravidade, condicionando-nos a um espaço restrito, como uma mariposa que não se livra dos tentáculos do círculo de luz em que consegue voejar; como uma inexorável indumentária que soa a vazio, afogando e submetendo uma primavera por florir. A possibilidade de transcendência do homem está no reconhecimento dessa chama solene e temporária como aparições arbitrárias, como uma luz murmurante e uma vocação para paraíso.
Quando aceitamos nossas asas...a felicidade é invasiva, incontrolável como um carrossel de surpresas; aventurar-se num universo desses encerra algo de inesperado, de expedição, de pioneirismo.