sábado, dezembro 06, 2025

Esmeraldo de Situ Orbis


Autora: Guacira Pacheco Maciel

Obs. Este texto está inserido no livro, “Cruz do meu rosário; um amor na Chapada”, da mesma autora.

Duarte Pacheco Pereira – militar, navegador e cartógrafo português.  Reconhecido e citado pelo autor português, Francisco Contente Domingues

Não foi encontrado nenhum registro documental de que esse ilustre personagem da Corte Portuguesa tenha sido, de fato, um ascendente da família de Marta, da região do Recôncavo da Bahia - Brasil, mas, além do retrato a bico de pena nostalgicamente pendurado numa parede do palacete sede da fazenda Terra Nova, já bem mais velho que as reproduções posteriormente encontradas em pesquisas,  e tão vivo na memória de Isadora, apaixonada pelo assunto, mas essa história consta em relatos orais de familiares que viveram na região naquele período, além de antigos empregados do engenho, como sendo verdadeira quanto ao parentesco. E mais, em gerações posteriores da família, existem alguns descendentes homônimos, como uma espécie de homenagem póstuma ao famoso personagem.

Também não foram encontrados documentos que registrem sua passagem pela Bahia, nem sua permanência no Recôncavo Baiano, a ponto de ter tido algum relacionamento que tenha lhe dado herdeiros, nem que tenha sido proprietário de um engenho de cana de açúcar...

Entretanto, essa história é tão cheia de relatos, de elementos e de fatos coerentes, que passou a ser aceita pela família; vejamos:

 

Entre o período em que esteve no auge de sua atuação como navegador prestigiadíssimo pelo rei D. Manuel, sua desgraça - por razões políticas, já que este morrera e seu sucessor se deixara influenciar por intrigas, uma vez que Duarte foi acusado de cuidar mais de seus interesses pessoais do que das questões do reino, e consequente prisão e morte - há um hiato de inexplicáveis longos anos. Onde estivera, já que sua experiência como navegador era vasta e de comprovada competência? após exaustiva pesquisa nos registros da Internet e documentos de historiadores citados aqui, não foi explicado o seu paradeiro depois de sua soltura, até sua morte, “em idade avançada”...

Quanto à tese do “descobrimento”, há uma interessante análise feita por Francisco Contente Domingues – Universidade de Lisboa - de que o mais importante na discussão não se refere à “descoberta” feita por Duarte Pacheco, mas ao fato de que ele teria passado pela costa brasileira e não teria visto o que deveria, simplesmente, porque a visão que tinha de mundo àquela época não o permitira; aliás, esse fato é amplamente explicado pela Mecânica Quântica. Assim como aconteceu, quanto à chegada da esquadra de Cabral, que também não poderia ter sido vista pelos indígenas, uma vez que eles jamais haviam visto uma caravela. Da mesma forma, me pergunto: o teria pensado Duarte naquela viagem, quando se deparou com aquela extensa e desconhecida terra?

 

No Esmeraldo de Situ Orbis, Duarte Pacheco refere, mesmo que sem muita clareza, que o rei D. Manuel o teria mandado descobrir “uma tão grande terra firme” a Ocidente do Atlântico... embora seja essa tese pouco convincente aos olhos de alguns, por ausência de provas.

O historiador português J. Barradas de Carvalho, em estudo sobre o famoso cartógrafo, ressalta a importância da sua obra para o do Renascimento português, e entende como verídica, e realizada, a tese da exploração chefiada por ele, cujo destino provável era mesmo a costa brasileira, tendo passado além da linha definida no Tratado de Tordesilhas, razão pela qual o Esmeraldo foi guardado por tantos anos.

Já na interpretação do historiador Jorge Couto, em seu livro “A construção do Brasil”, dados registrados poderiam, sim, comprovar que Duarte Pacheco Pereira realizou essa missão tendo atingido a costa brasileira na região do Maranhão e foz do Amazonas, com a intenção de calcular a localização do meridiano de Tordesilhas, se aproximando do litoral brasileiro, que pertenceria à Espanha, o que não inviabiliza o fato de que tenha estado na Bahia em suas andanças posteriores, já que aquele estado  fica ao norte e a Bahia no nordeste. Esse aspecto político diplomático explicaria o fato de o rei de Portugal ter escondido o feito, e os resultados obtidos pela expedição realizada pelo cartógrafo.

Muitas são as versões sobre a vida e a permanência de Duarte Pacheco no Brasil, inclusive, de que teria, em aqui ficado, traficado africanos para serem escravizados, sendo uma possível explicação para a fortuna que voltara a acumular, já que a havia perdido por ocasião de sua prisão, mesmo que tivesse, ele e sua família, voltado a receber dinheiro da coroa após a soltura... se é verdadeiro ou não,  é muito difícil comprovar, mas também não seria uma hipótese impossível, uma vez que o famoso personagem caiu em desgraça com a morte do rei D. Manuel, em 1521, e a ascensão de D. Jõao III ao trono.

Em 1490 figurava como membro da guarda pessoal do Rei; em 1494 estava entre os representantes escolhidos para negociar a fixação dos limites do Tratado de Tordesilhas. Apesar de tão questionado, uma das passagens mais debatidas do Esmeraldo, parece indicar sua participação numa expedição enviada por D. Manuel ao Atlântico Sul, em 1498, onde teria sido vislumbrada uma considerável massa de terra firme, que seria o Brasil, cuja população indígena do litoral é descrita, no obra, com detalhes: “… são pardos quase brancos; e estas são gentes que habitam na terra do Brasil, de que já no segundo capítulo do mesmo livro fizemos menção”.

Sua grande experiência náutica e cosmográfica o teriam levado a participar de outras importantes expedições, com muitos êxitos, que trouxeram considerável reconhecimento e consequente melhora na sua condição social.

Por volta de 1508, teria começado a escrever o Esmeraldo de Situ Orbis, precisando interromper, pois, entre 1509 e em 1510 fora de novo convocado a servir à Coroa, no mar.

Em 1519, Duarte Pacheco Pereira voltou à África como capitão da fortaleza de S. Jorge da Mina. No entanto, a morte do rei, em 1521, acabou com esse período tão rico da sua vida, e da sua carreira, terminando por cair em desgraça, em conseqüência da nova conjuntura política que elevou D. João III ao trono. Em 1522 Duarte foi aprisionado e encaminhado de volta ao reino, com uma acusação pouco convincente, que culminou com a total perda de seus bens.

Apesar de ter sido inocentado e posto em liberdade, nunca mais atingiu o prestígio anterior. Os problemas com a Coroa se prolongaram, o que o obrigou a lutar pela restituição dos seus bens e pelo pagamento “atempado da tença” anual à qual tinha direito. Nessas condições, Duarte Pacheco Pereira chegou a se colocar à disposição para serviço do Imperador Carlos V, chamado Imperador do Mundo (de Espanha e Alemanha), o que nunca se realizou.

Consta que viveu em Portugal até o final de sua vida, tendo falecido em data desconhecida, entre os anos 1531 e 1533.

Porém, questiono, um homem inteligente, dinâmico e grande conhecedor dos segredos dos caminhos náuticos e dos próprios Oceanos, e de tantos conhecimentos de astrologia, conhecido pelos seus feitos militares, mitificados pelos cronistas e cantados por poetas como Luís de Camões, autor de uma obra, inquestionavelmente, importante para a navegação, cujos quase exatos cálculos, até hoje não foram refutados, teria se conformado em morrer na quase miséria e no ostracismo, podendo fazê-lo de forma totalmente diferente e aventureira, como era da sua natureza? seus amplos conhecimentos o teriam deixado conformado em casa, inútil, podendo voltar por conta própria, apesar dos parcos recursos, a explorar o mundo, ou mesmo o Brasil e seu extenso e luxuriante litoral?

Bem... que certeza se tem de que o Esmeraldo, cuja elaboração fora interrompida em 1508, teria mesmo ficando inacabada? a cópia conhecida pela História, apenas, diz: “foi publicada pela primeira vez em 1892 ficando, desde então, clara a sua importância como roteiro náutico e geográfico, tratado cosmográfico e relato histórico, súmula do conhecimento adquirido por Duarte Pacheco Pereira ao longo da sua existência”. Seria ela a única e verdadeira cópia se ele tivesse voltado à aventura dos mares?

Será que Duarte, tendo conhecido a potencial grandeza de tão misteriosa e rica terra, “uma tão grande terra firme”, nas atuais circunstâncias, sem compromissos reais, a ignoraria? ele também esteve em missão na África, conhecia os roteiros de navegação, e a situação econômica dos habitantes da “Colônia” (Brasil), que precisavam de mão de obra barata para o cultivo da cana de açúcar. Por que a hipótese não comprovada de que tenha feito viagens para traficar pessoas para serem escravizadas pelos fazendeiros seria tão inverossímil?

Outra não tão improvável seria a versão de que teria vivido no Recôncavo Baiano e lá fundado, ele mesmo, um Engenho de cana-de-açúcar, e deixado descendentes...

Seriam essas convergências tão absurdas? absurda mesmo, seria a versão de que tenha se conformado em viver no ostracismo e na miséria, podendo ter uma vida extremamente aventureira, sedutora e lucrativa, no caso do Engenho, embora esse pudesse ter sido um desdobramento ou uma consequência do tráfico de escravos. Além de todas essas questões, tem o fato de ter sido tratado de forma tão injusta por parte do rei, inconformado em viver no esquecimento e sem condições financeiras, depois de ter sido cantado em versos, por Camões...

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