Percebe-se
uma similaridade entre a natureza das representações do contexto da vida
brasileira da segunda metade do século XIX, nos signos culturais evidentes na
riquíssima e desafiadora obra de Machado de Assis, sabendo-se que ele tinha
consciência de estar formando um público leitor das questões eminentemente brasileiras, ao explorar personagens, ambientes e situações desse contexto, quando o leitor
comum ainda tinha como referência as traduções do romance francês do período
anterior, e os signos da cultura contemporânea, em que se vê representada uma grande
diversidade, em consequência das profundas mudanças ocorridas na sociedade brasileira, com
símbolos extremamente robustos, conscientes dessa realidade, em que grupos
antes excluídos, hoje fazem valer seu direito de se representar.
Machado
explorou um contexto de diversidade, profundamente transitório e movediço,
pois sua trajetória se iniciou ainda durante o romantismo do início do século. Entretanto,
em sua obra, a presença da experiência contemporânea, plena de dramas
profundamente humanos e alvo da hipocrisia e do preconceito, mesmo que de forma
sutil, se fazem representar, suscitando a necessidade de muitas indagações. O
comportamento do homem diante de suas próprias pequenas tragédias cotidianas, parecia interessar-lhe sobremaneira. Como e quais caminhos teria percorrido
para explorar questões referentes ao homossexualismo e homossexualidade, o adultério feminino e a
segregação social naquele período, mesmo, ainda que tenha sido, ele mesmo, oriundo do morro, uma vez
que era filho de uma lavadeira e um pai negro, com marcas da escravidão, e
superado as próprias dificuldades? à custa de muita determinação? Ainda assim, se,
de um lado, escreveu grande parte de sua obra no contexto do Realismo e do
Naturalismo, também se fantasiou da camuflagem do romantismo, e mais, ora
recorrendo ao fantástico, ao delírio, à excentricidade, traindo de certa forma,
os motivos mais íntimos que o levaram a decidir pela nova fase da literatura,
abandonando os percursos de influência de culturas alienígenas, também deixou-se
seduzir por experiências anteriores.
Em
sua obra, usou recursos literários de subjetividade ainda não explorados na
realidade brasileira do período, com requintes que induzem a uma experiência
acumulada que suscitam, ainda, muitas especulações. Quanto ao narrador, ora assume
as vestes do narrador-personagem, diferente do narrador de terceira pessoa, "que
tudo vê e de tudo tem conhecimento, mas, paradoxalmente, ausente e sem
consciência da presença dos outros personagens".
.Entretanto,
o narrador-personagem de Machado, embora presente em determinadas falas, fica
impossibilitado de conhecer o íntimo dos outros personagens e narrar cenas em
que ele mesmo não esteja presente. Seria ele como um combatente, um possível
narrador da experiência desumanizadora da guerra, que nada tem a dizer em seu
retorno, corroborando a teoria da
privação da faculdade de partilhar experiências?
Por
outro lado, saindo de Machado, numa divagação, em contraposição à teoria de que
as “ações da experiência estão em baixa”, encontramos a fantástica e deliciosa
narrativa de Marco Polo à Kublai Kan, em Cidades Invisíveis, de Italo Calvino,
que, como Machado, poderia se aproximar do narrador pós-moderno na segunda
hipótese de Santiago: aquele que transmite uma sabedoria que decorre da
observação e não se alicerça na “substância viva da sua experiência". Nesse
sentido, seriam, ambos, puros ficcionistas, uma vez que não poderiam comprovar
a autenticidade da informações? da vida de Machado só se conhece hipóteses; nada
se sabe dito por ele mesmo...
Prosseguindo...