quinta-feira, abril 06, 2017

Analogias entre representações de signos culturais na obra de Machado de Assis, Literatura da segunda metade do século XIX no Brasil, e representações desses signos na Literatura contemporânea.

Percebe-se uma similaridade entre a natureza das representações do contexto da vida brasileira da segunda metade do século XIX, nos signos culturais evidentes na riquíssima e desafiadora obra de Machado de Assis, sabendo-se que ele tinha consciência de estar formando um público leitor das questões eminentemente brasileiras, ao explorar personagens, ambientes e situações desse contexto, quando o leitor comum ainda tinha como referência as traduções do romance francês do período anterior, e os signos da cultura contemporânea, em que se vê representada uma grande diversidade, em consequência das profundas mudanças ocorridas na sociedade brasileira, com símbolos extremamente robustos, conscientes dessa realidade, em que grupos antes excluídos, hoje fazem valer seu direito de se representar.   
Machado explorou um contexto de diversidade, profundamente transitório e movediço, pois sua trajetória se iniciou ainda durante o romantismo do início do século. Entretanto, em sua obra, a presença da experiência contemporânea, plena de dramas profundamente humanos e alvo da hipocrisia e do preconceito, mesmo que de forma sutil, se fazem representar, suscitando a necessidade de muitas indagações. O comportamento do homem diante de suas próprias pequenas tragédias cotidianas, parecia interessar-lhe sobremaneira. Como e quais caminhos teria percorrido para explorar questões referentes ao homossexualismo e homossexualidade, o adultério feminino e a segregação social naquele período, mesmo, ainda que tenha sido, ele mesmo, oriundo do morro, uma vez que era filho de uma lavadeira e um pai negro, com marcas da escravidão, e superado as próprias dificuldades? à custa de muita determinação? Ainda assim, se, de um lado, escreveu grande parte de sua obra no contexto do Realismo e do Naturalismo, também se fantasiou da camuflagem do romantismo, e mais, ora recorrendo ao fantástico, ao delírio, à excentricidade, traindo de certa forma, os motivos mais íntimos que o levaram a decidir pela nova fase da literatura, abandonando os percursos de influência de culturas alienígenas, também deixou-se seduzir por experiências anteriores.

Em sua obra, usou recursos literários de subjetividade ainda não explorados na realidade brasileira do período, com requintes que induzem a uma experiência acumulada que suscitam, ainda, muitas especulações. Quanto ao narrador, ora assume as vestes do narrador-personagem, diferente do narrador de terceira pessoa, "que tudo vê e de tudo tem conhecimento, mas, paradoxalmente, ausente e sem consciência da presença dos outros personagens".
.Entretanto, o narrador-personagem de Machado, embora presente em determinadas falas, fica impossibilitado de conhecer o íntimo dos outros personagens e narrar cenas em que ele mesmo não esteja presente. Seria ele como um combatente, um possível narrador da experiência desumanizadora da guerra, que nada tem a dizer em seu retorno,  corroborando a teoria da privação da faculdade de partilhar experiências?

Por outro lado, saindo de Machado, numa divagação, em contraposição à teoria de que as “ações da experiência estão em baixa”, encontramos a fantástica e deliciosa narrativa de Marco Polo à Kublai Kan, em Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, que, como Machado, poderia se aproximar do narrador pós-moderno na segunda hipótese de Santiago: aquele que transmite uma sabedoria que decorre da observação e não se alicerça na “substância viva da sua experiência". Nesse sentido, seriam, ambos, puros ficcionistas, uma vez que não poderiam comprovar a autenticidade da informações? da vida de Machado só se conhece hipóteses; nada se sabe dito por ele mesmo...