segunda-feira, dezembro 22, 2014

Presente crônico. (Epílogo de Sherezade Contemporânea) Guacira Maciel.

Na verdade, mesmo se comportando como um sultão, era como se sentia, ele, como nenhum homem, tem poder de vida e de morte real, mas o tem de forma subjetiva, pois após esse frustrado casamento em que se considerou traído – o que merece uma análise mais criteriosa – criou um delírio ao exigir da vida uma relação homem/mulher absolutamente perfeita. O seu não desejo de viver plenamente uma relação, constitui-se sua forma de morrer e de matar. E, embora não tenha conseguido morrer fisicamente, simbolicamente mata a mãe, aquele útero que ainda o aprisiona, e a ex-mulher, pois ambas o traíram nas mulheres com quem se relacionara apenas no tempo presente; um presente crônico em que sempre experimenta um amor fugaz, sem futuro (dimensão onde poderia ser outra vez traído), ou seja, estando sempre no presente, reconhecendo apenas essa dimensão de temporalidade restrita, acredita vencer o futuro, anulando a possibilidade de sofrer outra vez a mesma dor.
          Entretanto, eu, como aquela outra, venci o meu sultão e venci o tempo. Eu o encantei, e enquanto estivemos juntos um forte sentimento nos uniu no presente que vivemos e, mesmo temendo um futuro comigo, esse presente esteve, sim, no futuro, ou aquele irrealizável futuro foi vivido no tempo presente...
          Sei que não mais buscou apenas isso em mais ninguém ou seja, eu criei um tempo novo; eu venci aquele futuro onde costumavam morrer suas relações. Há poucos dias, me telefonou e disse: "você é diferente; continuo apaixonado por sua sensibilidade; será sempre a mulher da minha vida, aquela que ainda me faz vibrar e traz ao meu coração a saudade de amanhecer abraçado a alguém.