sábado, maio 17, 2014

Bailes e saraus do século IX ao som de pagode e axé? (Guacira Maciel)

 Hoje, assistindo ao Globo Literatura, na Globo News, fiquei perplexa, se não, indignada com o que estava sendo apresentado...
Monica Waldvogel entrevistava a escritora, de livros infantis, Patrícia Secco acerca de um projeto financiado pelo Ministério da Cultura, em que ela e editores de “muita experiência” fariam o seguinte: a adaptação dos clássicos da nossa Literatura, mais especificamente, ninguém menos que Machado de Assis, começando com o conto, O alienista, e outras obras, como: A pata da gazela, José de Alencar; Memórias de um sargento de milícias, Manuel Antonio de Almeida, e O cortiço de Aluísio de Azevedo, para “facilitar o acesso ao textos”, entre outros absurdos dessa ordem.
A justificativa para tal sacrilégio inclui vários motivos, estando entre eles: a “formação de leitores”, pois o brasileiro não lê; “a democratização da obra de Machado”, pois “o vocabulário do século IX exige esforço do leitor”; “levar Machado a quem não conhece”, entre outras heresias...No programa a autora chega a dizer que isso evitaria que o leitor ficasse “derrapando no boticário, achando que é uma marca de cosmético”...o que achei desrespeitoso para com os que não fazem parte das elites eruditas, como alguns escritores se entendem...
Na mesma entrevista, Monica Waldvogel colhe opiniões, estando entre elas a do escritor Ronaldo Bressane ( que não conheço, sendo sincera), que disse: “é melhor ler meio Machado do que nenhum”... Mas tem também a opinião, ao vivo, do conhecido estudioso,  poeta e Professor do Curso de Letras da USP, Alcides Villaça, que, tendo lido toda a “versão facilitada”, declara sua indignação sobre a questão, dizendo que aquela modificação dá num “monstrengo cultural”, pois o “discurso narrativo tão próprio de Machado foi alterado, assim como seu ritmo, sintaxe, pontuação, tudo da maior importância na narrativa, até a afetividade” impressa no texto, em que suprimem, cortam e juntam períodos tirando o sentido do que foi dito pelo autor; pode-se ler “coisas que Machado jamais faria”, terminando por dizer que na adaptação “há trextos incompreensíveis”, é “grosseira, é crime, para se jogar no lixo”.  Querem facilitar o acesso? Aceitem a sugestão do Professor  Alcides Villaça, democratizem fazendo cópias disponibilizadas pela própria Academia Brasileira de Letras, entre outros sites sérios.
Essa equipe chega ao cúmulo de retirar a pontuação do autor, como o ponto e vírgula, uma das suas marcas, substituindo por ponto final (que não têm a mesma função), juntando parágrafos  ou suprimindo outros, o que descaracteriza a escrita de Machado.
Bem, como Professora, Educadora e Bibliotecária, que trabalha com formação de leitores em colégio público, sou veementemente contra esse projeto sem sentido, estapafúrdio, de quem parece não ter ideias melhores para ajudar a população a ler. As novas gerações têm o direito de conhecer a linguagem erudita, têm o direito de conhecer a Literatura Clássica do seu país, que representa a vida do seu povo e, inclusive, a História da Literatura, da Arte Literária desse povo, que através desse projeto está sendo suprimida da suas vidas; estão retirando o seu direito de conhecer, na íntegra, a obra de grandes autores da Literatura Brasileira. Uma fala que me deixou muito indignada foi a autora, Patricia Secco, falar que apenas fez uma “transposição da linguagem do século IX para a linguagem atual”...então, a juventude não tem direito a conhecer o contexto em que a obra desse gênio foi escrita? Então, é isso, nós, Educadores, falamos e nos esganamos para situar o conhecimento no contexto de vida das pessoas, usando um importante Princípio Pedagógico que facilita a compreensão do estudante, que é a Contextualização, e um grupinho de pessoas, autores e editores, se revestem de uma autoridade outorgada pelo Ministério da Cultura, que financiou esse “Projeto” de desconstrução, no valor de 1,5 milhão, para destruir tudo?
 Percebo que os jovens oriundos de populações desfavorecidas por um bom Projeto de Educação Pública e Privada, também,  têm avidez por saber, pelo conhecimento, avidez de ler, eles adoram ir à Biblioteca me pedir para indicar livros para lerem, e depois retornam para os comentários, para discutir sobre o que entenderam da obra, fazem comparações entre os personagens e o contexto de suas próprias experiências de vida, da forma mais bonita e inesperada...Entretanto, não chegam verbas específicas e direcionadas para a aquisição de livros, para atualizar e prover os acervos das Bibliotecas das escolas...É assim que se deveria usar as verbas gastas com projetinhos de simplificação da obra dos nossos autores clássicos, por entenderem alguns que as pessoas das classes populares iriam confundir “boticário com cosméticos”. Eu, pessoalmente, venho pedindo às Editoras que doem livros de Literatura para que esses jovens tenham mais ofertas, mais possibilidades...a isso eu chamo “democratização dos textos literários”. O senhor Ronaldo Bressane disse que as “pessoas talvez não entendam o vocabulário de Machado”...e eu acho essa declaração uma grande bobagem! Ele nada sabe dessas pessoas, assim como editores, que querem vender livros para o Governo, e todos os que estão preocupados em ter projetos de má qualidade financiados com o dinheiro público! Eles não têm autoridade para suprimir da vida de gerações inteiras o conhecimento, na íntegra, da obra de um autor tão importante da nossa História Literária.
Querem “facilitar o acesso ao texto”? Aceitem a sugestão do Professor  Alcides Villaça, democratizem fazendo cópias disponibilizadas pela própria Academia Brasileira de Letras, entre outros sites sérios.
Tem um abaixo assinado contra esse “projeto” circulando por ai, se o encontrarem, peço que assinem. Obrigada.


Obs. A entrevista completa está no link do Globo Literatura.