domingo, março 24, 2013

Eu, Sherazade; epílogo...(Guacira Maciel)



Na verdade, em não sendo um sultão, o nosso Shariman não tem poder de vida e de morte real, mas o tem de forma subjetiva, pois após aquele frustrado casamento em que se considerou traído – o que merece uma análise mais criteriosa – criou um delírio ao exigir da vida uma relação homem/mulher absolutamente perfeita. O seu não desejo de viver plenamente uma relação se constitui  a sua forma de morrer e de matar. E embora não morra fisicamente, ele mesmo, simbolicamente mata a mãe, aquele útero que ainda o aprisiona, e a ex-mulher,  que o trairam nas mulheres com quem se relaciona apenas no tempo presente; um presente crônico em que vive um amor fugaz, sem futuro (dimensão em que poderia vir a ser traído outra vez). Ou seja, estando sempre no presente, reconhecendo apenas essa dimensão de temporalidade restrita acredita vencer o futuro, anulando a possibilidade de sofrer outra vez a mesma dor.
            Entretanto, eu, Sherazade, como aquela outra, venci o meu sultão e venci o tempo. Eu o encantei e enquanto estivemos juntos um forte sentimento nos uniu no presente que vivemos e, embora ele não tenha tido coragem de viver o futuro, esse presente esteve lá...naquele futuro irrealizável, enquanto foi vivido. 
            Sei que até hoje não buscou nem o presente em mais ninguém, ou seja,  eu criei um tempo novo; eu venci aquele futuro onde costumavam morrer suas relações. Há poucos dias o ouvi dizer ao telefone: você é diferente; continuo apaixonado por sua sensibilidade; será sempre a mulher da minha vida, aquela que ainda me faz vibrar e traz ao meu coração a saudade de amanhecer abraçado a alguem...           
                                                                                                          


domingo, março 10, 2013

Os sete mares; poema impressionista nº 7 (Guacira Maciel)



De novo, na volta do trabalho, vinha dirigindo calmamente à beira do mar e pensando que me sentia um pouco como os grandes navegadores da história, pois vira os sete mares neste verão de 2013... talvez só eu tenha pensado nisso em um tempo em que não se tem tempo para coisas tão prosaicas. Pensei no grandioso espetáculo que quase se derrama sobre nós todos os dias em uma belíssima e sensual orla marítima sem ser sequer percebido. Espontaneamente, fiz uma analogia engraçada com um fato interessante que via todas as vezes que ia dançar com meu companheiro: tratava-se de um homem já bastante idoso que se apresentava, como num espetáculo, dançando sozinho uma coreografia caprichada, que ninguém percebia...nós achávamos aquilo interessante e nomeamos seu espetáculo como a ‘dança do acasalamento’. Esta é a sensação que tenho todas as vezes que olho para o mar na solidão da urbanidade desta Soterópolis, tentando seduzir a quem passa, sem receber sequer um olhar...mas eu vi o mar através de todos os meus aguçados sentidos: deitada na areia da praia da Pedra do Sal, silenciosa naquela manhã, divaguei e vaguei pelo azul acima de mim, coberta pelo aconchego morno daquela enorme cúpula, tendo à minha frente a linha de um horizonte que delineava a perfeita curvatura da terra, sem um único obstáculo que corrompesse aquela perfeição; senti o delicioso cheiro dos sargaços trazidos da minha infância; vi os pequenos diamantes e pérolas desprendidos das caudas das sereias piscando para mim nas areias de Madre de Deus; vi quando o sol, preguiçosamente e ainda embriagado pelo sono ocidental, aguardava generosamente o repouso da lua, já quase totalmente cheia e pesada como um ventre grávido; vi o imenso polvo ondulante repousado languidamente sobre as areias entre as praias de Piatã e Jaguaribe; percebi o mar em tons de cinza, dando a impressão de que sua concretude era afetada apenas por um leve drapeado que desafiava a moça do vestido vermelho; também me dei conta da fuga daquela sonoridade tão inerente, tão orgânica; compreendi que, além da observação visual, a presença daqueles sons suaves e naturais que deixavam impressas em minha sensibilidade imagens tão fortes, embora tão fugases, capturadas e expressas nos meus poemas impressionistas eram fundamentais às impressões oferecidas pela visão. Comecei então a entender que além da luz, os sons se encaixam e compõem a obra; e como sou influenciada por eles, e como eles potencializam as minhas impressões visuais, ainda que por um grito ao longe, trazido pelo vento ou simplesmente o som que a  brisa matinal provoca nos meus ouvidos...E, podem crer, eu vi, à minha frente, o sal na clara liquidez das suas águas azuis, aflorar em graciosos e delicados arabescos à sua pele cristalina...


sexta-feira, março 08, 2013

A nós, MULHERES... (Guacira Maciel)



Queridas, desejo que este dia de hoje, seja mais um de todos os que já vencemos e dos que ainda venceremos em todas as nossas lutas; desde a luta diária de acordar e fazer com que o dia tenha muuuito mais que 24 horas, pelo volume de coisas que conseguimos fazer, com qualidade e sensibilidade, até amar com todo o coração, esquecendo (se pudermos) as dores que passaram e com o coração cheio da esperança, que nunca abandona uma mulher, de dias melhores, de chuva suave para levar embora o cansaço, o desânimo, a saudade, as injustiças, o desamor, a violência, o desrespeito...brisa leve para bagunçar os nossos cabelos como um aviso do retorno da esperança, do ânimo novo, do amor e da possibilidade de amar, da luz, das bençãos, das coisas novas, ou nem tanto, mas com um olhar novo sobre aquelas das quais já tínhamos quase desistido... afinal, em qualquer parte do Universo, falando qualquer idioma, somos guerreiras, somos ousadas, somos frágeis e fortes: somos MULHERES!

Beijo a todas,

sábado, março 02, 2013

Intolerância; pecado capital contemporâneo ( Guacira Maciel)



Como professora e educadora, acredito  de fundamental importância rever, reavaliar e trazer à discussão com mais frequência, questões que já estão consolidadas e sacralizadas como verdades no seio da sociedade. O mundo mudou radicalmente; a vida acontece sobre novos pilares, os comportamentos sob novos paradigmas, e apenas como um estágio preparatório para as perspectivas que ainda estão por vir.
Ao me propor a escrever sobre os Sete Pecados Capitais, definidos pelo Cristianismo num período que  em nada mais se parece com os tempo que estamos vivendo, sei que corro o risco de não ser compreendida. Ora, esses pecados foram definidos no papado de Gregório Magno, no final do século VI; portanto, lá se vão 15 séculos!...a vida e as formas de viver e conviver já nada guardam daquele período, inclusive, porque a Ciência avançou de forma tão profunda que até o ser humano e sua capacidade biológica sofreram mudanças e mutações. Hoje, sabe-se que o cérebro tem uma capacidade espantosa de regeneração e de reorganização, e isso faz parte do quadro evolutivo do homem para se adequar à sua condição de vida atual, o que afetou profundamente as relações e formas de o homem se relacionar, consigo, com o outro e com a vida.
Em sendo assim, também já não é possível avaliar questões e comportamentos tão antigos, com metodologias e visões do mundo contemporâneo. Embora novos pecados tenham sido acrescentados à lista, os antigos continuam utilizados como parâmetro  para julgamentos e considerações acerca da postura das pessoas que professam determinada fé. Tomando alguns deles como exemplo, eu citaria a “Luxúria”- apego e valorização dos prazeres carnais, sensualidade e sexualidade, pecado contra a saúde do corpo – ora, desde quando a prática do sexo faz mal à saúde do corpo - ou da alma - ? que eu saiba, é exatamente o contrário... há muito pouco tempo assisti a um programa sério de TV aberta, em que uma sexóloga – uma profissão provavelmente proscrita nessa visão – incentivava os casais, eu disse casais, a iniciaram os jogos amorosos do prazer sexual dentro dos carros, “para esquentar a relação”, e mais, ainda sugeria que esses carros deveriam ter vidros escuros...isso seria um pecado? Será que ainda se espera que o sexo seja estritamente feito com fins de procriação, num mundo que promete morrer de fome, em vista das explosões populacionais e precariedade das economias, por consequência da má distribuição de renda nos continentes, entre outras graves causas? se o sexo fosse um pecado, tenho certeza que a Criação encontraria outra forma de povoar o mundo...
Outro deles, esse já constante da nova lista definida em 2008: “uso de drogas”. O usuário de drogas é um ser humano doente; um ser humano que necessita cuidados especiais e ajuda, uma vez que já se sabe que muitas razões, aleatórias à vontade dessas pessoas, podem ser motivo desse vício, como violência doméstica, violação da intergridade intima ou psicológica, fome, etc. Uma pessoa dessas não é um pecador!
 Na mesma perspectiva, vem, “Violações bioéticas/controle de natalidade/aborto/contraceptivos que impedem a geração natural da vida”; realmente, esses pecados precisam de novas análises. Sabemos que a violência sexual praticada contra adolescentes pelos próprios pais geram filhos...sabemos que sexo sem segurança ou estupros geram filhos e doenças que matam; será que isso seria “geração natural da vida”? um ato de violência é uma forma natural de procriação?  
Mais um deles me causa perplexidade: “Experimentos moralmente dúbios com células tronco”; um avanço da medicina que salva milhares de vidas humanas por todo o mundo diariamente; que reintegra à sociedade pessoas que tinham uma sub vida, dando-lhes condição de se sentirem gente, de se sentirem vivos; de poderem trabalhar, amar,  de constituirem família... Quanto à dubiedade desses experimentos, seria muito mais uma questão de ética, restrita à classe médica e não às  igrejas.
Sinceramente, esse não é o Deus em nome de  quem se criou coisas assim... a isso eu chamaria Intolerância, um pecado amplamente desumanizador, porque atinge a vida em todas as suas manifestações! o Deus em quem acredito, possibilitou ao homem todos os avanços e condições de que fosse estabelecida uma condição de vida melhor a seus filhos; um CRIADOR e não um  verdugo, um destruidor... o Deus que conheço é um Deus de amor...
Sinto muito não ter conseguido escrever um texto poético, mas questões como essas, impedem, nublam e mesmo anulam a minha visão poética.