Hoje, não fui orientada pelo
olfato; não senti o cheiro dos sargaços da minha infância durante a minha
caminhada à beira do mar da madrugada. Sim, o mar da madrugada, porque durante
o resto do dia, embora de estonteante beleza, suas nuances não têm o tom
aveludado causado pelo momento preambular à luz do dia...Hoje, fui quase
abduzida por outro dos sentidos, embora não menos forte que o primeiro, a
visão.
Olhar o mar sempre me impressiona e me deixa
em quase estado de epifania; seu aspecto nesta madrugada, enquanto o sol,
preguiçosamente e ainda embriagado pelo sono ocidental, aguardava generosamente
o repouso da lua já quase totalmente cheia e pesada como um ventre grávido, que
caminhava preguiçosa a pequenos passos, sob o olhar complacente de nós três: o
sol, eu e o imenso polvo repousado languidamente sobre as areias de Piatã.
Nesse interregno, minha atenção
foi despertada pela forte impressão de maciez daquele lençol de cetim azul
profundo que aguardava o repouso lunar. Pequenas ondulações aveludadas
finalizam-se em fragmentos de renda branquíssima e quase tão delgadas quanto os
vestígios de luz das pegadas daquela
deusa Godiva. Pareceu-me que mãos inábeis tentavam estendê-lo sobre uma cama
etérea. Acima da maciez do leito líquido, um gazebo de nuvens protegia aquela
caminhada permitindo que apenas um diluído reflexo de luz solar escapasse por
um rasgão da sua fragilidade. Enfim, deitou-se, sagrada, a lua e abriu-se a
densa nuvem permitindo que a luz dos primeiros raios desdobrados pelo reflexo
na superfície líquida me arrancassem da magia daquele torpor...
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