terça-feira, junho 28, 2011

Cinzas (guacira maciel)


Morre a alegria
acinzentam-se os tons do arco-íris
e a luz mutante
vai desistindo de tudo...
vem o ocaso
e as sombras gulosas
ajuntam todos os legados
exceto a dor...
o grito silencioso
forte
roto
frágil
inválido
berra no peito
rasga-se na garganta...
o sangue
furioso
aquece

e tinge de inferno
a muda
nefasta
presença.

Ai de ti... (guacira maciel)


Ai de ti
Haiti...

choros
ais
a vida esvai-se...
vida breve
infante
furta-se
em breve idade
e a terra mãe
em profundas dores
se contorce
em estertores...

segunda-feira, junho 27, 2011

"Cruz do Meu Rosário" (fragmento II - guacira maciel)

Carlos presenciara uma realidade inimaginável;sempre pensara na lavra do diamante como uma grande aventura, cheia de emoções quixotescas...
Algumas vezes, encontrando-se perto de garimpeiros ele ouvia conversas à meia voz, nos raros momentos em que se davam o luxo de sonhar com planos de futuro:
-- Seu Zequinha, o qui o sinhô vai fazê primero quando encontrá aquele bichão piscando com uns oio de todas cor qui se pode pensá?
-- Hum...moço, sei não...nem quero pensá...é tantas coisa qui eu quero nessa vida de Deus...
-- Home, diz só a primera qui ocê tem na cabeça; eu, por mim, já sei o que vô fazê...
-- Intão conta aí!
-- Eu dô um berro como a fera qui sô; um urro das onça qui nois ovia vim de dentro da mata quando ia caçá...
-- Onça? aquilo lá é onça sô? era jaguatirica, qui aqui num tem onça das verdadera mermo!
-- É, eu sei, home...
-- Mas ocê só vai berrá qui nem a jaguatirica? é poco!
-- Não... depois eu disimbesto nesse mundão de meu Deus, qui nunca mais ocês bota os oio n'eu.
-- É... eu sei cuma é qui ocês fais ... e depois de ocê encher o rabo de toda cachaça e cumê todas as puta do arraiá, vorta morto de fome pra cumeçá tudinho otra vez. Eu sô mais veio qui tu e já vi muito minino fazê o mermo e depois vortá chorano cum o rabo entre as perna pidi trabaio di novo.
--O quê? cumigo não sô!...tô dizendo? eu num vorto nesse inferno é nunca mais; é bastante uma pedrinha das boa!
--Tá bom...pára de caçá cunversa qui o jagunço do coroné tá oiando pensando que nois tá cum arguma tramóia...
-- Cuma?
-- Ocê nunca viu falar das coisa qui os pesoá faz pra iscondê uma pedrinha mixuruca, não?
-- Conta o sinhô, intão...
-- Eu sô macaco veio e já vi coisa qui o Todo Puderoso duvida...
A essa altura ele tira respeitosamente da cabeça, frangalhos do que fora um chapéu.--Pois eu tô dizendo... por essa luz que me alumia, qui muitas vez chamaro o dotô Filício já cheio das cachaça pra tirá do rabo de muito macho aqui, um carbonato de nadinha, que iscondero lá pra robá o dono do garimpo...
-- Vixe Maria!...e o dotô, ele faz isso bebo mermo?
-- Ôxe! diz o povo, qui quanto mais incharcado das cachaça, mió ele trabaia; já vi muito macho chorando com as tripa de fora, de tanto tomá olio de rícino pra botá na bosta a pedrinha que robô...

-- Moço!... é mermo verdade, é?
Quando ouvia essas conversas, Carlos, decepcionado, sentia-se enjoado; o estômago contraindo-se embrulhado com tanta miséria...
Então, era isso a lavra do diamante? aquelas pedras maravilhosas que enchiam os olhos do seu pai e proporcionavam-lhe uma vida de príncipe, eram lavradas à custa de tanta desgraça alheia?...
O encanto de Carlos se devia ao fato de muitas e muitas vezes ter ficado embevecido a ouvir as estórias contadas pelos tropeiros ao final do dia - após intermináveis semanas de confinamento na serra - sentados nas mesinhas toscas dos botequins tomando cachaça de má qualidade. Eram, apenas, fantasias elocubradas naquele isolamento como forma de se protegerem da loucura absoluta, sobre o duro dia a dia vivido nas grotas, sem sequer perceberem que suas vidas se esvaiam junto com o suor que lhes brotava da pele crestada pelo sol implacável durante verões que chegavam à beira dos infernos, acrescidos da temperatura interna dos seus corpos tensos; pelo frio de rachar dos invernos ou das noites de qualquer estação, já que aquela região, como acontece nos desertos, tem noites extrememente frias e úmidas.
Naquele cenário dantesco eles iam gradualmente esquecendo da própria humanidade, cabendo ao delírio preservar tão somente, a vida que mantinha o sonho, como uma tênue chama, e assim, criavam uma supra realidade que gestava a esperança do tal bambúrrio.
Muitos adoeciam pelas mais variadas razões, desde a desnutrição, porque o pouco que tinham haviam comprado o equipamento para iniciar a jornada, ficando uma miséria para a precária alimentação, que mal os mantinha como elemtento de combustão para a mortal lavra; a maioria não por muito tempo. Então, à medida que os fortes iam perdendo a saúde, eram substituídos por corpos jovens (apenas corpos) e saudáveis. Para a imensa maioria a velhice prematura chegava e ainda encontrava uma delirante esperança de riqueza.
Em uma das turmas de recém chegados encontrava-se Carlos, cujo sobrenome era totalmente desconhecido, pois seu pai, o velho coronel, não lhe permitira regalias de filho do dono do garimpo. Naquele ambiente podia-se dizer que havia igualdade, nem que fosse de uma forma que os tornava desiguais em relação aos outros seres humanos. No domingo do primeiro final de semana, único dia em que podiam fazer uma pausa naquela exaustiva labuta, tendo febrilmente preseo em uma das mãos, um ramo de uma das espécies nativas - e até então desconhecidas - de belíssima orquídea, Carlos desceu a serra...

terça-feira, junho 21, 2011

Sonho de perfeição... (guacira maciel)

Estamos falando da obra de Ítalo Calvino: “As cidades Invisíveis"; trata-se de uma série de diálogos fantásticos como só ele poderia engendrar em sua genialidade. A obra serve de pano de fundo em que ficam evidentes os valores que Calvino considerou fundamentais à sobrevivência da Literatura.
A exemplo de Platão em sua “República”, de certa forma, Kublai Khan também sonhou com o império perfeito, que Marco Pólo, no século 13, lhe acena através dos seus relatos.
Kublai Khan foi Imperador dos Tártaros e viveu em Cambaluc, a atual Pequim, onde o jovem mercador veneziano teria vivido por 17 anos. Como o nosso Imperador não conhecia a grandiosidade dos seus domínios, usava-o como uma extensão dos seus olhos; assim, Marco Pólo sai em uma fantástica aventura para conhecer cada pedaço daquele império, e após cada regresso os dois travavam longos diálogos, quando o imperador ouvia os fantasiosos relatos do seu jovem embaixador, com muito mais atenção do que dedicava a qualquer outro dos seus enviados; fala-se inclusive, em analogia com os contos da "Mil e Uma Noites". Kublai Khan era fascinado com o próprio poder...As cidades inventadas sobrevivem em uma surrealidade onde não existem linhas divisórias entre o real e o imaginário; “as cidades e a memória; as cidades e o céu; as cidades e os mortos; as cidades delgadas e as cidades e as trocas”, eram lugares imaginários; e todas tinham nome de mulher: Cecília, Pentesileia, Leônia... O aventureiro, na pele de Marco Pólo, lhe acenava através dos relatos, com a possibilidade de algo novo, algo ainda por conquistar, tirando o poderoso Imperador da angústia, da melancolia e do tédio que o abate, após acumular tudo o que o poder tornou possível. As cidades, como um sonho, mostram a crueza da realidade jamais imaginada, trazidas pela juventude, cujos desejos já nada mais são que recordações, como as folhas amarelas do diário esquecido.
Para os ‘grandes’ estadistas, governantes, ou algo que se assemelhe em poder, chega aquele momento em que a melancolia e o tédio abatem inexoravelmente – ao menos em seu recolhimento - sobrepondo-se ao orgulho do conquistador; aquele momento em que imaginam já ter tudo o que desejaram até ali. Então, percebem-se desoladamente sós, perdidos e incapazes de reencontrar o sentimento, a gana da conquista e a energia que os moveram até o que pensavam ser a realização. E agora? O que representavam todas as conquistas?

Nos sonhos, os desejos nos têm em pleno vigor e nada mais são que uma das inúmeras possibilidades só acessíveis ali; naquele momento e de alguma forma, agora só restava ao homem poderoso a aridez da imensidão que a luz crua e fria faz cerrar os olhos e deixar que se vão. E então, no espaço existente entre um e outro; entre o sim e o não, entre o real e o sonho; o passado e o presente, a extensão entre a sombra e o poste que segura o lampião; entre a envergadura das pernas e o salto possível, percebe a chegada da impossibilidade e o tédio se aloja desavergonhadamente, de forma inexorável e compulsória...
Todas as cidades vão mostrando a dura realidade jamais imaginada na pele da "deusa" juventude; a nostalgia à qual nos remete a madureza, cujas possibilidades e desejos já não são mais que recordações... é como o papel amarrotado onde fora deixado o poema de amor do passado. A vida das "cidades e a memória", sem passado, sem história, sem ética, sem perdão, está impregnada das ausências que gostaríamos de poder entender, que gostaríamos de poder alcançar e já não será possível. Assim, nos apegamos aos leves e quase inaudíveis ecos entre os dois tempos, talvez esquecendo que, uma vez perdido, precisamos buscar entender o presente e o que poderá ainda ser possível fazer com ele, ou fazer dele em nós, para trazer à vida um pouco mais de encanto, e novas buscas, que a tornarão digna de ser vivida. Porque o que não deixou algum sinal remoto da sua existência, de fato não parece ter existido. As cidades descritas por Marco Pólo estão impregnadas de vida, de emoções; elas são a sua alma, e para Kublai Khan são como páginas de um diário onde se lê a sua própria existência. Porém, há uma incapacidade de anulação total das memórias remotas; como um déjà vu nas noites insones ou mesmo nos sonhos, percebe-se o homem incapaz do total esquecimento, e então ele passa a viver através de imagens, sob novas perspectivas, como uma invocação e, por isso, a necessidade de retorno.
Todas essas recordações do passado trazem e deixam seus símbolos, suas marcas como pegadas e eles passam de forma subliminar a representá-las, como uma dança do imaginário. Aquele aventureiro lhe acena, através de relatos, com a possibilidade de algo novo, algo ainda por conquistar, tirando-o da angústia, da melancolia e do tédio que o abatem, mesmo que só permitidos por alguns momentos...

sábado, junho 18, 2011

Casca de noz (guacira maciel)

As madrugadas me são extremamente reveladoras e profícuas em suas possibilidades após o primeiro restaurador e profundo sono; são as horas em que mais me aprofundo nas questões, me torno extremamente suscetível, criativa, cheia de energia e lúcida. Não é a toa que sempre gostei de fazer amor de madrugada...



Como de hábito, estou lendo dois livros ao mesmo tempo – quando não são três – porque, no fundo, percebo que eles jamais se estranham em sua essência o que sempre me conduz a encontrar profundos elos entre os assuntos de que tratam, ainda que pareçam nada ter um com o outro; dessa vez não foi diferente. Invariavelmente, cada momento desses é novo e nunca deixo de me surpreender, nem de registrar minhas impressões.Encontro-me lendo o livro de Stephen Hawking, “O Universo numa casca de noz” e o “Rosto de Shakespeare”, de Stephanie Nolen. Ambos são fantásticos e cada um me tem mostrado um mundo que embora não seja novo, oferece oportunidade de entender coisas que já conheço, sob um ângulo novo e de encontrar elos inimagináveis entre eles e entre eles e a vida, como um todo. Incrivelmente, a primeira obra acima citada, parece ter sido inspirada pela segunda, pois há nela uma referência de Hamlet (ato 2, cena 2), “ eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito”, que nos remete ao universo da Teoria da Relatividade (e da Mecânica Quântica) que se vem mostrando mais fantástica que a mais elaborada e criativa ficção; um conhecimento com que, à época, Shakespeare nem poderia, sequer, vir a imaginar que pudesse ser uma das teorias mais prováveis para explicar o Universo. Ora, Hamlet foi escrita no século XVI, mas sabemos que seu criador, em suas obras, especificamente esta, (mas também outras, como Macbeth, Noites de Reis, etc.), mesmo retratando o cotidiano das pessoas que assistiam suas peças, inicialmente pessoas simples do seu meio social – a classe dos atores e dramaturgos, que viviam na “decadente margem sul do Tâmisa”, da qual Shakespeare só emigrou vagarosamente, começando a divertir a corte a partir do período Elisabetano, embora sem dela fazer parte – cujas questões humanas se referiam ao amor, casamento, nascimento e morte, levou a reflexão sobre as relações entre pessoas de diferentes classes sociais, provocando questionamentos sobre a origem e finalidade da vida e sua transcendência. Assim, penetrou num pensamento mais elaborado em que muitas questões estavam por ser respondidas, mas se configurava fundamental serem feitas.O mais encantador, ou intrigante, no mínimo, é que só muito mais tarde, grandes homens de ciência, a exemplo de Einstein, Stephen Hawking, Fritjof Capra, entre muitos outros, pensaram e se fizeram perguntas semelhantes e buscaram respostas, agora já tendo em mãos elementos e tecnologia que os ajudaram e ajudam a fazer isso, embora sabendo que estamos apenas no início da meada, e que ainda existem muitos mistérios a serem desvendados.O mundo estar contido numa casca de noz poderia ter alguns envolvimentos, não apenas com as viagens realizadas no espaço-tempo em escala microscópica. Então, não caberia nos perguntarmos se essas teorias (Relatividade e M. Quântica, entre outras), tão logo novos avanços da ciência e da tecnologia sejam realizados, nos permitiriam, afinal, construir uma máquina do tempo? Entendendo assim, também não teríamos imensas possibilidades de, com esses mesmos avanços, chegar a um nível de conhecimento do cérebro e da consciência, que evidenciasse uma possibilidade gigantesca de se fazer viagens infinitas nessa fantástica máquina natural que é esse desconhecido? Uma espécie de viagem intra cérebro, ou endocerebral? Particularmente, esta ultima seria ainda mais viável e menos complicada, se sabemos que o próprio Einstein usou a maior parte dos seus últimos anos tentando, infrutiferamente, demonstrar uma teoria unificada, aliado ao fato de que ele se recusou a acreditar na realidade da M. Quântica, ainda que tenha percebido que a incerteza era o princípio fundamental do universo, e uma teoria unificada devesse incorporá-lo. Aliado a isso, todo dia os cientistas apontam uma nova e instável aurora, se sabemos que no início do século XX, por exemplo, acreditava-se que tudo poderia ser explicado a partir das propriedades da matéria contínua, como a elasticidade e a condução térmica. Entretanto, o conhecimento da estrutura atômica e do princípio da incerteza acabou com essa linearidade. Já em 1928, o cientista Max Born, Prêmio Nobel, teria dito que a Física que se conhecia estaria acabada em seis meses; sua afirmação se baseava na nova descoberta de Dirac, da equação que determinava o elétron e que, portanto, uma semelhante determinaria o próton - a outra partícula conhecida - mas o advento do nêutron e das forças nucleares também derrubaram essa certeza. Apesar dessa transitoriedade científica e dessa incapacidade, até agora, de 'aprisionar' certos conhecimentos, crêm os cientistas que é possível que se esteja perto de chegar às leis definitivas que regem a natureza.Mas, e o cérebro? Chegaremos um dia a conhecê-lo em sua totalidade? Sei não... fico seduzida pela possibilidade de que poderíamos compreender tantas coisas que se constituem mistério; em sendo assim, depois que tivéssemos descortinado o último véu, teríamos, então, a chave da vida... Seria esse o meu desejo, ou apenas me seduz a busca?Voltemos a Shakespeare...O tempo me intriga, fundamentalmente... Como e o que teria encaminhado Hamlet a falar de algo cuja teoria só se falaria séculos depois? sabe-se, comprovadamente, que os tempos de duas pessoas em movimento não são iguais e que cada um tem o seu tempo pessoal. Àquela época a teoria sobre a velocidade da luz e a teoria quântica nem eram um sonho na cabeça desses homens maravilhosos...os gênios do pensamento... Nada me fascina tanto quanto o tempo, porque o espaço, o telescópio Hubble e outros instrumentos, já confirmaram que continua e continua... Como a Literatura (Arte) se insere nesse contexto e traz à tona um fragmento de algo que sequer tinha sido formulado? E não foi um acaso, isso não exite. O noso cérebro é um universo de uma complexidade ainda inexplicável, mas eu ainda preciso de respostas...
Sei agora não as terei...pode ser que Hamlet quisesse dizer o que seu criador já tivesse experimentado a nossa limitação física e a incompatibilidade desta com a nossa mente, que está livre para as mais incompreensíveis, as mais inexplicáveis e enigmáticas percepções na exploração do seu tempo pessoal e avançar com uma audácia só possível à Arte...
(Em outro momento vamos refletir sobra essa questão, trazendo o genial Nikola Tesla, que teve fantásticas experiências mentais acerca dos seus inventos; quase todos os que o mundo conhece, aos quais são dados padrastos...)

sexta-feira, junho 17, 2011

Bahia... (guacira maciel)


Bahia ninguém te descobriu
eras pronta
sem branco negro
mulato ou cafuso
primeiro contato luso
objetivo escuso
metáfora Brasil
Bahia minha Bahia
já foste quinta e quintal
hoje causa e conseqüência
de universal etnia
és pintura surreal
Bahia diversidade
pluralidade de dores
partilha de terra poder e amores
paradoxal arte viva
estertores
Bahia pobre exaurida
entranhas expostas doridas
ainda tens pelourinhos
porões
limites
mordaças
grilhões...

quinta-feira, junho 16, 2011

Ameniza e não muda - Artigo Jornal O Globo, sábado, 20/05/e2011.

Observação: isto aqui também é "Direitos Humanos"...como educadora, não poderia me furtar a postar. Quanta lucidez...tinha que ser dito por um professor...

O Brasil é um país de alta criatividade em políticas sociais, com saídas para amenizar, não para mudar a realidade. A criatividade começou na escravidão, ao invés de aboli-la recorremos à Lei do Ventre Livre. Os escravos sexagenários, os velhos, eram libertados, um eufemismo para abandonados. Até a Abolição da Escravatura aconteceu sem oferecer educação nem terra para os ex-escravos e seus filhos. A Abolição foi um eufemismo para a expulsão dos escravos das fazendas para as favelas.Modernamente também temos sido campeões de imaginação para soluções parciais. Como o salário não era suficiente para pagar o transporte do trabalhador até o local de trabalho, ao invés de aumento salarial, criamos o vale-transporte, como se fosse um grande benefício social, quando, na verdade, foi um serviço à economia: garantir a presença do trabalhador na fábrica. A regra é a mesma para o vale-refeição. O salário não era suficiente para assegurar a alimentação mínima de um trabalhador, então a solução foi garantir a alimentação do trabalhador, mesmo que suas famílias continuassem sem comida. Quando a inflação ficou endêmica, ao invés de combatê-la (só enfrentada em 1994), criou-se a correção monetária, que garantia moeda estável para quem tivesse acesso às artimanhas do mercado financeiro, enquanto o povo continuava com seus salários cada vez mais desvalorizados. Hoje, quando o país vive um apagão de mão de obra qualificada, corremos para fazer escolas técnicas, esquecendo que sem o ensino fundamental os alunos não terão condições de aproveitar os cursos profissionalizantes. A Bolsa Escola foi criada para revolucionar a escola. Como isso não foi feito, ela se transformou na Bolsa Família, sendo mais uma das soluções compensatórias agregada ao vale-alimentação e vale-gás. As universidades boas e gratuitas são reservadas para os que podem pagar escolas privadas no ensino básico. No lugar de fazer boas escolas para todos, criamos o PROUNI e cotas para negros e índios. O Brasil melhora com essas medidas, mas não enfrenta o problema e acomoda a população, como se agora todos já fossem iguais. Promovem-se benefícios com soluções provisórias, como se elas resolvessem o problema. A solução adiada seria uma revolução que assegurasse escola de qualidade para todas as crianças, em um programa que se espalharia pelo país, onde todas as escolas fossem federais, como o Colégio Pedro II, as escolas técnicas militares, os colégios de aplicação das universidades. Quando a desigualdade social força a separação entre pobres e ricos que se estranham, ao invés de superar a desigualdade constroem-se muros em shoppings e condomínios, separando as classes sociais. Para impedir a convivência de classes, impedimos estações de metr�? em bairros ricos, o que mostra um total desinteresse desses habitantes pelo transporte público.Falta professor de Física, retira-se Física do currículo escolar. Os alunos não aprendem, adotamos a progressão automática. O Congresso não funciona, o STF passa a legislar. A população fala Português errado, em vez de ensinar o correto a todos legitimamos a fala errada para a parte da população sem acesso à educação. Adotamos dois idiomas: o Português dos ricos educados e o Português dos pobres sem educação; o Português dos condomínios e o Português das ruas. Ao invés de combater o preconceito e a desigualdade, legalizamos a desigualdade.Ao invés de fazer as mudanças da estrutura para construir um sistema social eficiente, equilibrado, integrado e justo optamos por simples lubrificantes das engrenagens desencontradas da sociedade. Nossas soluções podem até ser criativas, mas são burras e injustas. É a sociedade acomodando suas deficiências. Ao invés de enfrentar e resolver os problemas, nossa criatividade ajusta a sociedade a conviver com eles. E adia e agrava os problemas porque ilude a mente e acomoda a política.* Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF

quarta-feira, junho 15, 2011

Direitos Humanos...(Cont.)


Entre 1913/5 ocorreram várias - do que eu chamaria - revoltas operárias contra o desemprego e as dificuldades trazidas pelo custo de vida, sendo uma das mais importantes, a que se iniciou um pouco mais tarde, por volta de 1917, na Tecelagem Crespi, em São Paulo, que levou 35 empresas à paralisação. Entre outras reivindicações, exigiam o fim do trabalho infantil e, apesar da repressão, houve adesão de outros setores, levando o movimento à vitória, com repercussão em outros estados brasileiros.

Em 1922 foi a vez da revolta da classe média, em conseqüência da crise econômica dos anos anteriores. Três revoltas militares no Rio de Janeiro desencadearam o Tenentismo, um movimento de caráter civil, cujos objetivos foram a democratização do país e a moralização do governo; esse movimento se fundamentou no descontentamento de outros setores da sociedade. Entra em decadência a República Oligarca de caráter elitista e excludente; entretanto, existem alguns pontos obscuros nessa história, como um todo (os 18 do forte não seriam 18; em outro momento poderemos entrar em detalhes...). Seu desdobramento foi a:

Coluna Prestes – em 1925/27 e muito significativo, porque seu objetivo era derrubar o governo de Artur Bernardes. Houve uma mobilização intensa de “1.6 mil homens em 13 estados brasileiros” até sua dispersão na Bolívia. Sob a liderança de Luis Carlos prestes, que diante do que considerou um terrível quadro social, concluiu que apenas a substituição do presidente “não resolveria esses problemas”.

Revolução de 30 e “era Vargas”, de 1930/45. As reivindicações trabalhistas foram reconhecidas e regulamentadas, inclusive controladas, através de algumas leis:
em 1932 criou-se a carteira de trabalho e os direitos trabalhistas dos brasileiros foram reconhecidos (jornada de 8h diárias; descanso semanal obrigatório e remunerado, férias anuais remuneradas, proteção ao trabalho da mulher e proibição do trabalho do menor, indenização por dispensa sem justa causa, assistência e licença remunerada a gestantes) e organizou-se a Previdência Social. Revolução Constitucionalista (em S. Paulo), cujo objetivo era a elaboração de uma Constituição brasileira.
Em 1934 – Elaborou-se a Constituição e se estabeleceu: eleições diretas, com voto secreto para os dois gêneros; extinção do cargo de vice-presidente da República; criação do mandato presidencial de 4 anos, sem direito à reeleição; criação do mandato classista.

Em 1935 - Revolta vermelha (Intentona Comunista), inspirada no socialismo-comunismo, nas idéias marxistas (esquerda).

Em 1937 – Plano Cohen por militares liderados pelo capitão Olímpio Mourão Filho e assinado por um comunista fictício chamado Cohen.
De 1937 a 1945 foi o período da Ditadura da “era Vargas”; Estado Novo. Elaborada a Constituição de 1937. Ponto culminante negativo (para mim), suspensão das eleições em todo o território Nacional....

terça-feira, junho 14, 2011

Fernando Pessoa...(guacira maciel)

...imortal, porque os gênios não morrem; eles vão descansar. Afinal, deve ser muito cansativo conviver com a mediocridade, com a brutalidade, com a aridez de espírito. Eu amo esses homens geniais...amo Vincent VanGogh (dêm uma olhadinha aí ao lado, bem à sua esquerda...). Amo Einstein, Antonin Artaud e muitos outros. Os gênios são pessoas com as quais o mundo teve o privilégio de conviver, mas não entendeu. Eles existiram – estou falando no passado, porque gênios não andam nascendo às pencas por ai – exatamente, para nos mostrar o quanto somos medíocres. E percebam que eles não se acharam gênios, porque esses seres são humildes e sabem o quanto são limitados – imaginem! –; eles tinham consciência que quanto mais estudavam, mais tinham o que aprender...
Fernando Pessoa não foi compreendido também. Aliás, um amigo – português – fala que eu não sei o que digo, porque Pessoa nada mais é que um esquizofrênico. Bem, esta avaliação acerca deles – os gênios – não é novidade, porque todos sempre foram considerados loucos e muitos deles internados em manicômios... O caso de Artaud, inclusive, é atípico, porque seu próprio médico incentivava e lia o que ele escrevia, mas tratava-o como louco...
Posso entender com muita clareza que Pessoa foi uma dessas pessoas que compreendeu que um único eu, aquele pelo qual fazemos a opção primordial, é muito limitante...
No meu livro “A importância da Arte na aprendizagem” trago essa discussão; será que o fato de ter fazer a opção por uma dimensão individual traz essa insatisfação, permanecendo a sensação de ausência, de incompletude? Será que precisamos ser mais que apenas o ‘eu’ pelo qual optamos? Haveria angústia na solidão desse ‘eu’? Nos sentiríamos aprisionados e limitados a essa escolha e buscamos ampliá-la através de uma espécie de alteridade? Haveria um sentimento inconsciente de que a Arte poderia socializar nosso ‘eu’, oferecendo-lhe uma existência coletiva, ou alguma outra possibilidade?
Neste caso, me pergunto, qual seria, verdadeiramente, a natureza do homem? Imagino que não temos a necessária compreensão da amplitude dessa natureza. Talvez isso possa indicar que buscamos na arte a possibilidade de um homem coletivo e menos solitário, admitindo que o homem se sente parte da totalidade (homem coletivo) que a humanidade representa, pela possibilidade de ser um com esse todo, ou o homem completo, remetendo-nos à visão mitológica da busca da totalidade perdida, da sua outra metade. Seria esta também função da Arte? Em sendo assim, seria ela uma oportunidade de libertação de uma vida que nos subjuga e submete, podendo transformar-se numa espécie de redenção do observador, pela representação dessa realidade? Nessa perspectiva, comecei a pensar e achar que por esse caminho teria uma possibilidade de entender o enigma Fernando Pessoa e seus heterônimos... Eles me parecem essa oportunidade de representação de outros ‘eus’ percebidos pelo observador e extremamente necessitados de extrapolar e explorar a incompletude de um único sujeito pelo qual Pessoa, como todos nós, teve que optar. Sabemos que Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, entre outros, têm personalidades, modos de pensar, e vidas completamente diferentes e independentes dos outros. Teria Pessoa encontrado nesse caminho uma forma de desdobrar-se e sobreviver ao sujeito “ele mesmo”?
Entendo que a Arte tem, além da função de busca e exposição do ‘eu’, pela representação, uma função libertadora, pois ao se identificar com uma realidade fictícia o sujeito consegue se libertar dele, através do afrouxamento dos laços desse ‘eu’ primordial que o aprisionam numa unica dimensão emocional, psicológica, que impossibilita outras oportunidades de representação...
Uma das obras mais geniais de Pessoa é “Mensagem”; sugiro que a leiam...

segunda-feira, junho 13, 2011

A Propósito...(guacira maciel)

...por falar em discriminação, creio pertinente ir trazendo, nos entremeios desta reflexão, algumas informações para complementar o que vimos falando sobre "Direitos Humanos".

A África, como a Ásia, só era visível nos livros didáticos até agora (vislumbra-se já alguma mudança), como cenário da expansão européia e não como uma cultura possuidora de historicidade própria. A partir daí, desaparece, como o próprio negro desaparece das propostas de educação, da vida e da história do Brasil, exceto no contexto da escravatura. Aliás, como disse o filósofo alemão, Friedrich Hegel (1770-1831), a “ África não faz parte da história do mundo (...) não havendo ali mais que casualidades, surpresas , sem um fim e nenhuma subjetividade” e o historiador Charles André Julien (1890-1970), a “África negra não tem história”. Observe-se que só considerando esses dois pensadores, em que pese o espaço entre morte de um e nascimento do outro, são dois séculos de negação da África, sua cultura e história (só para ilustrar essa negação; existem afirmações piores).
Negar ou mesmo ignorar a fundamental presença do negro e sua cultura na constituição do povo brasileiro, não como apêndice, é, certamente, um grave sintoma apresentado por uma sociedade doente, até porque a partir de 1500, passamos a ser resultado dessa presença tripartite, que continuou a se desenvolver numa ambientação própria. Segundo Esther Grossi, doutora em Psicogênese, “ reprimir ou negar certas partes significativas do nosso passado nos faz enfermos ou menos gente”.
Ora, o que levaria, a nós, brasileiros, a negar o que somos? Acredito em algumas hipóteses prováveis, entre as quais: a história ancestral que nos foi legada, que se configura uma nódua e que teria duas origens: a barbárie no tratamento ao negro aqui escravizado, e mesmo, o extermínio de grande contingente da sua população (não esqueçamos que entre outras formas de maus tratos, o dono de escravo no Brasil, lhe proporcionava vida tão miserável (sobre isto, mais adiante analisaremos o que disse Freyre sobre relações amigáveis... ), que em alguns casos não ultrapassavam nem 12 anos de trabalho) e mesmo assim sua aquisição proporcionava lucro em relação ao custo/beneficio; e outra por sua exclusão na formação do Estado Brasileiro, quando se consolidou, segundo Ubiratan Castro Araújo (Fundação Cultural Palmares), “um império brasileiro escravista”, em que os negros, derrotados, viram fracassar a possibilidade de construir sua identidade como cidadãos brasileiros, pela valorização de sua história e cultura.

quinta-feira, junho 09, 2011

Você ausente...poema a quatro mãos I (guacira maciel/ele)


Fui caminhar
às quatro horas da manhã...
tinha a alma confusa
pesada ...
a visão do mar na madrugada
assemelhava-se a um infinito
e brando lago
calmo
como muitas vezes vejo você
adormecida em paz ao meu lado...
naquele momento sentí-me um rio
que silenciosamente
cumprindo o ritual da natureza
adentrava na enchente
de você
mar
tornando-me vazante...
em sua languidez
nenhuma reação vi esboçada ...
e recebeu o seu côncavo
as minhas águas límpidas
em suas águas
e tinha eu a terra pra lhe dar...
mas você
num vai e vem se aconchegava
impregnando com seu sal
meus efluentes
que ali purificava
e os braços desse mar
como útero úmido e quente
me embalavam na corrente
como em rede
menino
eu balançava ...
e sendo rio
enchi
vazei
e amei você ali
ausente
naquela madrugada...

Direitos Humanos...(Cont.)

Revolta da Vacina – uma revolta popular, ocorrida em 1904 na cidade do Salvador (Bahia), em que a população da cidade se punha contra a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Mas a motivação foi uma consequência da campanha mal veiculada no contexto de uma reforma do Prefeito Pereira Passos, que propunha embelezar o centro da cidade, jogando a população para as periferias, sem assistência e/ou condição de sobrevivência.

Revolta da Chibata - ocorrida em 1910. Este foi um movimento de marinheiros, liderado por João Cândido (“ Almirante Negro” ), que se posicionou contra os castigos físicos, usuais na corporação; o uso da chibata, inclusive, teoricamente já havia sido abolido pelo novo regime – República. Em repúdio a essa atitude arbitrária os marinheiros tomaram vários navios e ameaçaram bombardear a cidade.
Para se ter uma idéia da crueldade desse castigo, uma semana após a posse do Marechal Hermes da Fonseca (na Presidência), um marinheiro foi castigado com 250 chibatadas e mesmo depois de desmaiado, continuou apanhando, segundo noticiado nos jornais da época, diante de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais.
Vale lembrar que apesar de ter “vencido” as eleições para Rui Barbosa, o Marechal Hermes não foi bem aceito pela sociedade, que expressou seu descontentamento, além de denunciar fraudes e violação de urnas no processo eleitoral, em bairros onde não obteve expressividade de votos.
João Cândido, por indicação dos demais líderes, assumiu o comando do Minas Gerais e diante de toda a esquadra revoltada, conseguiu controlar a revolta e parar as mortes, e ainda enviou mensagens reinvidicando que parassem os castigos na Marinha de Guerra brasileira. No dia 27 de novembro daquele ano houve um acordo entre as partes, com o compromisso de cessarem os castigos e de os amotinados não serem expulsos da corporação. Porém, no dia 28 o governo promulga um decreto de expulsão daqueles que “representavam perigo”, desrespeitando a lei de anistia aprovada pelo Senado da República , e publicada no Diário Oficial de 26 de novembro de 1910.
Depois houve outro levante entre os Fuzileiros Navais ligados à marinha, que não tinha ligação com a revolta da Chibata, reprimido através de implacável bombardeio por parte do governo. Com isso, o Marechal Hermes obteve do Senado a aprovação do estado de sítio (lei marcial) e, apesar de João Cândido ter ordenado um tiro de canhão sobre os amotinados para provar sua lealdade ao governo (atitude que considero questionável...), foi expulso da Marinha junto com mais dois mil homens. Depois foi preso e enviado à masmorra na Ilha da Cobras. Em 1911 foi transferido para o Hospital dos Alienados, voltando depois à Ilha das Cobras, de onde foi solto e absolvido em 1912; entretanto, foi banido da Marinha, vivendo com grandes dificuldades.
Em 1930 foi novamente preso e acusado de subversão... Foi perseguido pela Marinha até o final da sua vida, morrendo pobre e esquecido em 1969, de câncer. (continua...).

quarta-feira, junho 01, 2011

Direitos Humanos...(Cont.)

De início, evidentemente, nos reportaremos ao período histórico do Brasil Colonial, situado entre 1500-1822, que se refere à invasão do território nacional pelos portugueses (já mencionado aqui em outros textos...), cuja dominação inicial se fez através do extermínio de populações inteiras de indígenas, donos do território brasileiro (ver também “Meu querido canibal” – Antonio Torres), que tinham uma identidade, uma cultura com seus valores, seu sagrado, etc...e não precisavam de nada mais para continuarem felizes. Além disso, o povo indígena foi submetido à mais desumana escravização, além das mortes por exposição a moléstias que o seu organismo desconhecia e, portanto, não tinha defesas para combater, por causa da intensidade dessa exposição.

Aqui vou me deter mais um pouco.

Nesse mesmo período foi iniciado o tráfico de seres humanos, com foco nos povos africanos, que aos olhos do invasor era mais dócil (que eu diria civilizado) e, portanto, mais submisso. Por isso, foram o alvo de sua preferência para o trabalho árduo da lavoura de cana-de-açúcar no Nordeste, e da lavra do ouro em Minas Gerais (naquele período). A partir daí essa prática se intensificou por ser altamente lucrativa para os traficantes, para países africanos que também vendiam seu povo (até porque, o europeu não ousaria "caçar" negros sozinhos naquelas terras desconhecidas, como conta, erroneamente, a história) e para os donos das terras. Os negros eram comercializados entre os senhores em mercados daqui, onde eram tratados como animais.

É do conhecimento de todos que o Brasil foi o último pais do Ocidente a abolir definitivamente a escravidão, uma prática que tinha profundas raízes na sociedade; ao homem negro, escravizado, era negada a condição de ser humano. Não havendo nenhuma disposição para mudar isso, uma vez que a escravidão se constituía uma das mais fortes heranças coloniais, pois os grandes proprietários rurais se eximiam do cumprimento das leis, assim como um “Estado já comprometido com o poder privado”, e nem a Guerra do Paraguai conseguiu lhe por um fim, mesmo que essa prática trouxesse muitas críticas de parte do inimigo e até dos aliados.

Só começou a ocorrer uma mudança porque a Inglaterra exigiu a assinatura de um documento de compromisso que abolia o tráfico de escravos como parte do preço para que a nossa independência fosse reconhecida e ainda votada uma lei que considerava essa prática como pirataria. Porém, sempre tivemos dificuldade em cumprir leis e a atitude tomada não trouxe grande repercussão, e foi usado um ardil que consistiu em importar grande quantidade de escravizados antes de a lei ser votada, o que trouxe como consequência, a ilusão de que o tráfico havia diminuído depois. Entretanto, passado algum tempo tudo voltou a ser como antes, quando se fez necessário o aumento da mão de obra gratuita. Daí se origina a nossa velha conhecida expressão: “para inglês ver". Em 1840, no entanto, a Inglaterra voltou a pressionar o Brasil, por causa da renovação do tratado (de 1827). Desta vez, usando a força, autorizou que sua marinha aprisionasse navios suspeitos de realizar tráfico. Mais tarde, em 1850, autorizou a invasão de portos brasileiros para afundar esses navios. Mas parou por ai, só se voltando a discutir o assunto por ocasião da Guerra do Paraguai.
Os africanos menos dóceis e mais organizados, alguns eram oriundos de culturas extremamente organizadas política e socialmente, começaram a se revoltar e se organizar em comunidades chamadas "Quilombos" (o maior e mais organizado era o de Palmares, no Estado de Alagoas).

Retornamos à questão da lutas para que os direitos humanos fossem instalados por aqui....

Entre as mais importantes revoltas de africanos escravizados, ocorrida no início do século 19 /1835, está a Revolta dos Malês, que viviam na cidade de Salvador - Bahia; eles eram muçulmanos e sabiam ler e escrever. Essa revolta chegou a preocupar as elites, mas foi abortada em consequência da traição de uma escrava.

Revolta de Canudos, um verdadeiro massacre, ocorreu em 1896/7, no sertão do Estado da Bahia. Esse massacre foi promovido pelo governo contra milhares de sertanejos liderados por Antonio Conselheiro, um líder religioso em busca de uma vida mais digna para a população de Canudos. Vale dizer que, apesar da mais absoluta desigualdade de armamentos, os soldados tiveram muitas dificuldades em dispersar mais de 25 mil pessoas revoltadas e orientadas por um fanático religioso que, no entanto, era um homem muito consciente das questões que tanto sofrimentos traziam ao seu povo. Embora tenha sido um massacre, pois foram mortos milhares de sertanejos, na ocasião também morreram mais de cinco mil militares. Há referências de que muitas crianças órfãs foram trazidas da região pelos soldados republicanos, como "lembranças vivas" do massacre, estando entre eles Ludgero Prestes, trazido por Euclides da Cunha, autor do conhecido livro sobre o fato: " Os sertões", e entregue ao educador Gabriel Prestes, em São Paulo, que o adotou e educou. Ele se tornou o primeiro diretor de uma escola pública na região e teria morrido de câncer aos 43 anos, deixando filhos. Não se sabe, ainda, o paradeiro de outras crianças, que, provavelmente foram estigmatizadas, porque eram vistas como "filhos de jagunços que assassinaram soldados".
A minha compreensão é a de que não houve verdade e justiça em relação a esse episódio, mesmo após algumas questões virem à tona pelas mãos de pesquisadores e cineastas que estudam a questão, até mesmo através de entrevistas com sobreviventes, que aprsentam outra versão, diferente da 'oficial', inclusive, sobre a vida que tinham, "sem precisar da República". Foram homens e mulheres que deram depoimentos sobre a sua vida antes e depois da guerra. (segue...).