sábado, outubro 29, 2011

Ato político e ato de prazer...(Guacira Maciel)

Entendendo que educar e aprender, : o monge (teólogo, humanista e retórico) Erasmo de Rotterdm. Na verdade, a sua obra mais conhecida é “Elogio da Loucura”, uma sátira tão inteligente porque sutil à sociedade européia do séc. XVI, mas sua proposta para uma educação pública é absprecisam ser, além de atos políticos, atos de prazer, gostaria de retomar uma forte referência, que é a do filósofo do Renascimento e um homem que mais que qualquer outro está presente nas propostas de educação que entendemos contemporânea e absolutamente atual em se tratando de lógica metodológica e visão conceitual.
Apesar de ter sido um educador das elites, tendo, inclusive, o seu trabalho pedagógico publicado sido dedicado a Henrique de Borgonha, filho de Adolfo, príncipe de Veers, ele declarou que seu maior interesse era atingir em sua proposta a grande quantidade dos que não tiveram a sorte de ter um “preceptor” nem a condição de freqüentar cursos particulares, que eram privilégios dos “apaniguados da fortuna”. Trouxe aqui este sábio filósofo, para enfatizar o que hoje consideramos fundamental à educação e achamos ser fruto das nossas mentes brilhantes: o estímulo ao prazer de aprender; para isso, em sua obra “De Pueris” ele considerou importante a “descontração pedagógica” e defendeu uma educação pautada na leveza (como também propôs Ítalo Calvino em relação à Literatura – em “Seis Propostas para o Próximo Milênio” -), e que amplio aqui para todas as instâncias da aprendizagem, vez que entendia o Mestre Erasmo, ser a Arte fundamental, e questiona: “que de mais ameno que as fábulas dos poetas? Elas têm o condão de cativar os ouvidos infantis”. Fala ainda que amar o educando era condição primordial e que “sob essa condição a criança aprende com maior receptividade [...] por isso convém que o preceptor, de algum modo, saiba fazer-se criança...” Ele também entendeu ser importante que o trabalho pedagógico estivesse ligado a um contexto, pois aconselhava que, “às histórias, sentenças breves e dinâmicas” fossem acrescentadas, além de também propor que “por isso sejam as histórias transformadas em desenhos [...] muitas crianças se distraem com pinturas de caçadas. Naquela oportunidade calha bem falar das espécies de árvores, ervas e quadrúpedes. Assim, aprendem de modo ameno, como se estivessem brincando”, ou seja, dentro de um contexto (posto que dentro de contextos) e de forma prazerosa.
Entretanto, o que mais me encanta na proposta pedagógica de Erasmo, vem ao encontro de um dos importantes pontos que me trouxe aqui; a valorização do conhecimento construído pelo jovem fora da escola, assim como estímulo ao protagonismo e ao autodidatismo, como entendemos hoje, numa primeira instância, evidenciado pela necessidade de se expressar à sua maneira, à maneira do seu grupo, e depois oportunizar o seu desenvolvimento pleno como ser e sujeito social; todos dentro do seu momento vivencial. Para Erasmo o educador não tinha a função de “plasmar” o aprendizado espontâneo que a criança/jovem já havia construído e sim ir ao encontro daquela potencialidade ajudando-o a enriquecer, a reconstruir e ressignificar esse conhecimento - dentro dos atuais paradigmas - através da aprendizagem escolar. Inclusive, o termo que ele usa em latim é o verbo “excolere”, de onde deriva o termo escola, e que significa “fazer sair pelo trato”, isto é, o educador acolhendo o que o jovem já sabe e abrindo-lhe possibilidades para possa se expressar.
Erasmo estava além do seu tempo, embora tendo se formado pela “Ordem dos Agostinianos”, tinha conhecimentos profundos do sistema educacional encabeçado “pelos religiosos profissionais que, sem pejo nem escrúpulos, comercializavam o ensino para auferir recursos financeiros das classes altas” (isso nós conhecemos muito bem) -, e criticou severamente o sistema educacional de sua época propondo formas para reabilitá-lo e à “arte de educar”, com intenção de livrá-la daquelas “aberrações”. Ele tinha consciência que o afeto, como a Arte, é um elemento catalisador amplamente eficaz em situações de aprendizagem, mas quero acrescentar, também na terapêutica, como nos mostra a sensível Dra. Nise da Silveira (uma mulher que viveu na contramão da cultura machista brasileira), em seu fantástico e incansável trabalho/estudo com a Arte como forma de tratamento do processo psicótico, que, inclusive, curou, com afeto e acolhimento, estimulando a expressão/representação, para trazer à luz as imagens do inconsciente, ajudando a mudar comportamentos de seres cuja vida já era considerada perdida. Ela disse ter usado a Arte para “conhecer, estudar e tratar os inumeráveis estados do ser”; aí está uma experiência que nos encaminha a buscar compreender como se dá a aprendizagem, como e quais caminhos tão subjetivos são percorridos para que aconteça, de fato - e o que a arte pode evidenciar através realidades que ampliam e/ou aprofundam as dos sujeitos (falaremos nisto mais adiante) -.Ainda não nos abrimos para esta necessidade, temos conceitos didático/pedagógicos muito rígidos. E não estou aqui, dizendo que a escola se torne um espaço terapêutico! Esta não é a sua função, e seus objetivos são outros.
Mas, quero concluir enfatizando a sensível palavra do Mestre Erasmo, sobre como entendia um professor: “... a cujo regaço possa confiar teu filho como o nutriz ao seu espírito a fim de que, a par do leite, sorva o néctar das letras.”

sábado, outubro 15, 2011

Cortina de papel...(guacira maciel - junho /2005)

Estou no trabalho. São 09h30min de uma luminosa manhã de segunda feira. Me sinto extraordinária e deliciosamente fora do contexto. Extasiada, leio as gostosas crônicas de Ferreira Gullar. Fantástico! mas preciso emitir um parecer técnico...Aqui, algumas presenças são por demais terrenas, sólidas, ácidas e subservientes...Ouço fragmentos de conversas sobre uma educação que não acontece nas nossas escolas: ...formação didática... forma... metodológica... os professores.. . projetos...Na verdade, me pergunto o porque disso tudo; eu mesma, o que faço, se nada posso fazer acontecer?...O dia está maravilhoso; ainda sendo segunda feira de manhã, de um dia de inverno na Bahia. O sol brilha em suave sobre nossas brancas mesas de trabalho, através dos rasgões no papel pardo que faz as vezes de cortina, em um contemporâneo janelão envidraçado - que permite a visão de um mar maravilhoso, com nuances opalescentes e perfeitamente integrado ao verde da vegetação - dilatando meu horizonte. Pensei que nem cortinas merecemos... ainda que aquelas tesas, de escritório...Por que, de repente e curiosamente, pensei em esvoaçantes cortinas de linho branco ou voil? e por que numa varanda em frente ao mar, filtrando a maresia e o sol acidular, que incendeia a vida e arde nas costas do nosso litoral e nas nossas próprias costas? qualquer praia... poderia ser Sítio do Conde, Aleluia ou Costa do Sauipe, desde que fora do eixo dos resorts e hotéis de luxo. Eles violentam o equilíbrio da ecologia que compõe uma cadeia perfeita de vida, filtrando também a beleza, a pujança e o que temos de mais puro na nossa luxuriante natureza, que em sua perfeição não precisa de retoques.Uma estrutura maldosa e desumana que engole tudo, como uma gulosa “boca de lobo”, interrompendo o curso da vida... a administração...a mídia, orquestradas por homens... batalhões de homens e mulheres, como formigas tendo que ir a algum lugar... como autômatos com sorrisos plásticos colados à boca; os espíritos aprisionados, insensíveis e estéreis, sem perceber a vida pulsando e, relutante, se esvaindo dos seus corações, roubando a seiva que vaza por seus corpos, cujas cabeças funcionam tão alto, que se fazem ouvir...Aqui, sinto e ouço o espírito do mundo, teimoso, querendo dizer alguma coisa que já sei e que tento, em vão, esquecer, mas que não posso, porque ele sou eu e é aqui que está a voz, que reconheço, doce, morna e amorosa de antes... isso parece ter sido há um século ou em outra vida...Meu coração bate tão forte que quase perco o equilíbrio; todo o meu corpo dói pulsando tenso como corda distendida de um instrumento qualquer; meus ouvidos parecem a pele sensível de um tambor e escutam esses batimentos como se estivessem fora de mim; a visão recebe impressões em cascatas vermelhas, azuis e alaranjadas, numa explosão que se assemelha a um ininterrupto bombardeio, em conseqüência da pressão deixada pelo correr veloz do sangue nas minhas artérias; tenho a sensação de vertigem e sugo sofregamente o ar, sem fôlego; como um náufrago, me agarro à tábuas molhadas, ofuscantes e escorregadias, boiando à minha frente, quase impossíveis de serem agarradas... páginas borradas do livro de crônicas aberto sobre a minha mesa branca, inerte, como eu....E meu olhar, aéreo, despenca sobre uma delas...fragmentos longínquos de conversas voltam aos meus ouvidos: “quando não há afetividade, a pessoa só enxerga as merdas do outro...”.

domingo, outubro 09, 2011

Acerca de aprendizagem...(guacira maciel)

Hoje vou falar um pouco sobre “Dissonância cognitiva”, porque tenho uma constante preocupação com a aprendizagem, já que sou educadora, e consciente do baixíssimo índice de aprendizagem, de fato, nas nossas escolas, apesar de todas as propostas...
Venho insistindo em buscar caminhos que me levem a entender o envolvimento do processo cognitivo na aprendizagem escolar e a importância que o desvendamento desse mistério se constitui para mim.
Assim, estava refletindo sobre os conflitos que me atingem pessoalmente algumas vezes, pelo fato de ter construído modelos, como todos os seres, fruto da minha experiência de vida sob todos os aspectos ( familiares, educacionais, emocionais, psicológicos, culturais...), ao confrontá-los com experiências que não os atendem.
Durante a infância/adolescência fui tímida e um tanto bucólica, totalmente diferente de minhas irmãs, que sempre foram arrojadas (eu diria). Meus projetos de vida eram modestos...nunca pensei, por exemplo, em escrever, em publicar coisa alguma. Nesse caminho, é muito comum lembrar, com saudade, de alguns hábitos dos meus pais, a exemplo de acordar bem cedo, quando a casa ainda estava envolta na penumbra do derradeiro estágio do sono profundo de todos nós (6 filhos), para conversar ouvindo música e tomando o primeiro cafezinho, ou sentar em cadeiras de lona postas sobre a calçada à noite para bater um papinho tranquilo, enquanto brincávamos por perto fazendo algazarra com inocentes brincadeiras.
Porém, ao mesmo tempo em que amo essas coisas e tenho saudades, sou uma contumaz usuária da Internet, consumidora voraz de E-books, e insaciável usuária de sites de pesquisa e coisas assim, por ser muito curiosa e inquieta, e ainda ter um estímulo constante e fortíssimo, que é escrever - já disse Machado que “o autor é um reflexo do que lê”, e Saramago:” os autores são filhos de suas leituras” – o que, segundo os estudiosos do assunto, é fundamental nos casos da “Dissonância” ( o estímulo) para fazer com que ela se suavize diluindo os conflitos. Mas será que hoje existe alguém que não os tenha?
Essa teoria foi desenvolvida por Leon Fertinger em meados do século XX, e descrita como uma tensão que se estabelece entre o que se pensa e acredita, e o que se faz, ou seja, comportamentos e aprendizagens que estão em desacordo com as demandas internas nos levam a embates íntimos. Uma forma de reduzir o desenvolvimento da dissonância é buscar, por exemplo, aquelas informações às quais temos acesso, de acordo com o nosso conhecimento e em sintonia com o que pensamos ser adequado a nós, à nossa forma de pensar, de nos relacionar com a vida, que seriam os modelos.
Então, em relação à aprendizagem, que é o meu maior interesse na questão agora, como todos construímos “modelos mentais” relativos a todos os nossos sentimentos, ações, comportamentos, inclusive à aprendizagem, uma informação recém adquirida se choca com esses modelos, ocorrendo a dissonância cognitiva entre os dois e instalando-se uma necessidade de buscar restabelecer a coerência, a harmonia, que é uma atitude (decisão, ação...) complexa, que irá variar de acordo com o grau de tensão estabelecida com o choque.
Segundo essa teoria, para reduzir o desconforto que se instala com esse estado de tensão, pode-se “substituir um ou mais modelos; buscar novas informações [complementares] que aumentem a consonância; alterar os pesos relativos em dissonância [um consenso] ou a relativização da nova informação”. O que me estimulou a aprofundar a questão, foi a compreensão de que, na aprendizagem ela pode se configurar um instrumento que poderá levar o estudante a reagir diante de um conhecimento novo e assim, a aprender, porque esse choque chama a atenção estimulando a imaginação. Porém, para haver uma acomodação é fundamental que o estímulo inicial seja mantido para favorecer a continuação da aprendizagem, sendo importante entender também, que o uso dessa técnica sem os devidos cuidados poderá levar ao cansaço por causa da tensão constante que se estabelece.
A técnica também poderá ser usada para mudança de modelos mentais, segundo Tom e Beth Kamradt. Mas não vou entrar na questão neste momento.









terça-feira, outubro 04, 2011

Preconceito x Direitos Humanos...(guacira maciel)

Existem coisas que precisam ser ditas quando chegado o momento, embora nem sempre as possamos dizer diretamente a quem se destinam, por proteção, por um poderoso sentimento que é o instinto de preservação. Os embates não se fazem necessários. Aqueles que têm o “poder” fortalecendo e apoiando suas atitudes inumanas, desumanas e rasteiras, facilmente podem caluniar, perseguir, aniquilar, anular o outro. Porém, esquecem que a luz das pessoas continua a brilhar sob as suas próprias cinzas; ela é indestrutível, porque inerente à sua condição. E essas atitudes são, tão somente, um demonstrativo de covardia, de medo, de reconhecimento das próprias limitações. “Se você não pode com o inimigo, junte-se a ele”? não, se você pode aniquilá-lo; pisá-lo, e sordidamente retirá-lo do caminho para que ele não continue a lhe mostrar suas fraquezas, suas limitações, sua fragilidade, suas dificuldades ( e até sua incompetência)... Juntar-se a ele seria até uma demonstração de grandeza de espírito, de humildade e poderia ser positivo. Mas o que algumas pessoas não conseguem compreender é que essa condição só mostra o quanto todos somos humanos, imperfeitos e frágeis; inclusive os “poderosos”, claro!, e que não há necessidade de esmagar o outro, para demonstrar a própria sabedoria. Não existe nenhuma possibilidade de alguém ocupar o lugar que não lhe pertence, porque, não fosse a lei da Física em que cada corpo só pode ocupar um lugar no espaço, cedo ou tarde seria desmascarado; assim, cada um só ocupará, unicamente, o próprio lugar.
Existe atualmente um discurso já tão repetido, que vem se tornando um jargão vazio, uma bandeira esfarrapada, que é o discurso da inclusão, do respeito à diversidade; porém, parece não haver nenhum entendimento de que o preconceito não se refere, apenas, à cor da pele, à opção sexual, ao gênero...Também existe o preconceito intelectual, o preconceito contra a condição que tem o outro de ser criativo, competente, o preconceito contra o pensamento divergente, que é tão devastador, tão mesquinho, e faz tanto mal quanto qualquer outro.
Há pessoas que, mesmo tendo excelente nível de escolaridade - o que não implica em nível cultural de alto padrão - que não conseguem ir além, que não conseguem escapulir das bitolas, dos limites, parecendo ser ofensivo a simples condição de alguém que não tem o mesmo nível acadêmico, mas pode ser competente, ter mais facilidade de percorrer caminhos outros; aqueles que margeiam as grandes estradas da sabedoria; aqueles que sobrevivem tão belamente nos desvãos, nas entrelinhas, na reimaginação, naquele confortável e doce “entre-lugar”, como diria Renato Rosaldo, que vivem nas “zonas de diferenças”, mas que, e por isso mesmo, se constituem um manancial de possibilidades... Pessoas assim são consideradas polêmicas, e até “criadoras de caso”, o que, cá pra nós, pode ser muito bom, muito saudável... Só polemiza quem pode, quem pensa e tem lastro, quem tem base e argumentos para sustentar uma discussão, e essa condição não pode ser vista como desrespeito, como desarmonia, mas ser enriquecedora; não deve ser encarada como usurpação do poderzinho ao qual algumas pessoas se apegam, vivendo em estado de epifania, como se fora um direito só concedido aos que ostentam a coroa naquele fugaz momento em que se sentem ungidos pelos deuses do poder.



Todos têm o direito à liberdade de pensamento, à criatividade, à liberdade de se expressar. Que educadores, que professores, que pais somos nós, afinal? Seria através dessas posturas, dessas atitudes que pretendemos orientar os nossos jovens?