sábado, dezembro 31, 2011

FELIZ ANO NOVO!

Desejo a cada um dos meus leitores, esteja onde estiver, pois a linguagem do amor é universal, não importando em que idioma ele seja expresso...
"Que o caminho seja brando aos teus pés; que o vento sopre leve em teus ombros; que o sol brilhe cálido em tua face; que as chuvas caiam serenas em teus campos; e, até que eu de novo te veja, que DEUS te carregue na palma das mãos" (Oração Celta).

Carinhosamente,
Guacira

quarta-feira, dezembro 28, 2011

DIREITOS HUMANOS...

Não tenho o hábito de colocar aqui postagens desta ordem por ser este um blog com outra proposta, mas não pude me isentar quando li ISTO que recebi por email...Nos intitulamos "povo pacífico" mas, como já disse antes, os conceitos são perigosos e...tendenciosos... não seríamos um povo passivo? Onde estão as consciências? debaixo do tapete também? Sou educadora e há poucos dias vi, pessoalmente, crianças que vão à escola (quando vão...) caminhando por léguas e léguas a pé, com a lama na altura dos joelhos, sem sequer colocar no estômago um pedaço de pão seco; em lá chegando não têm uma carteira de estudos decente para sentar, material didático para estudar e, às vezes, nem água para beber...

Romário:
"QUE PAÍS É ESSE?"

Parte de entrevista do ROMÁRIO ao jornalista Cosme Rimoli - TV Record .
- Você foi recebido com preconceito em Brasília?
"Olha, vou ser claro para quem ler entender como as coisas são. Há o burro, aquele que não entende o que acontece ao redor. E há o ignorante, que não teve tempo de aprender. Não houve preconceito comigo porque não sou nem uma coisa nem outra. Mesmo tendo a rotina de um grande jogador que fui, nunca deixei de me informar, estudar. Vim de uma família muito humilde. Nasci na favela. Meu pai, que está no céu, e minha mãe ralaram para me dar além de comida, educação. Consciência das coisas... Não só joguei futebol. Frequentei dois anos de faculdade de Educação Física. E dois de moda. Sim, moda. Sempre gostei de roupa, de me vestir bem. Queria entender como as roupas eram feitas. Mas isso é o de menos. O que importa é que esta sede de conhecimento me deu preparo para ser uma pessoa consciente... Preparada para a vida. E insisto em uma tese em Brasília, com os outros deputados. O Brasil só vai deixar de ser um país tão atrasado quando a educação for valorizada. O professor é uma das classes que menos ganha e é a mais importante. O Brasil cria gerações de pessoas ignorantes porque não valoriza a Educação. E seus professores. Não há interesse de que a população brasileira deixe de ser ignorante. Há quem se beneficie disso. As pessoas que comandam o País precisam passar a enxergar isso. A Saúde é importante? Lógico que é. Mas a Educação de um povo é muito mais".
- Essa ignorância ajuda a corrupção? Por exemplo, que legado deixou o Pan do Rio?
"não tenha dúvidas que a ignorância é parceira da corrupção. Os gastos previstos para o Pan do Rio eram de, no máximo, R$ 400 milhões. Foram gastos R$ 3,5 bilhões. Vou dar um testemunho que nunca dei. Comprei alguns apartamentos na Vila Panamericana do Rio como investimento. A melhor coisa que fiz foi vender esses apartamentos rapidamente. Sabe por quê? A Vila do Pan foi construída em cima de um pântano. Está afundando. O Velódromo caríssimo está abandonado. Assim como o Complexo Aquático Maria Lenk... É um escândalo! Uma vergonha! Todos fingem não enxergar. Alguém ganhou muito dinheiro com o Panamericano do Rio. A ignorância da população é que deixa essa gente safada sossegada. Sabe que ninguém vai cobrar nada das autoridades. A população não sabe da força que tem. Por isso que defendo os professores. Não temos base cultural nem para entender o que acontece ao nosso lado. E muito menos para perceber a força que temos. Para que gente poderosa vai querer a população consciente? O Pan do Rio custou quatro vezes mais do que este do México. Não deixou legado algum e ninguém abre a boca para reclamar".
- Se o Pan foi assim, a Copa do Mundo no Brasil será uma festa para os corruptos...
"Vou te dar um dado assustador. A presidente Dilma havia afirmado quando assumiu que a Copa custaria R$ 42 bilhões. Já está em R$ 72 bilhões. E ninguém sabe onde os gastos vão parar. Ningúem. Com exceção de São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul e olhe lá...Pernambuco... Todas as outras sete arenas não terão o uso constante. E não havia nem a necessidade de serem construídas. Eu vi onze das doze... Estive em onze sedes da Copa e posso afirmar sem medo. Tem muita coisa errada. E de propósito para beneficiar poucas pessoas. Por que o Brasil teve de fazer 12 sedes e não oito como sempre acontecia nos outros países? Basta pensar. Quem se beneficia com tantas arenas construídas que servirão apenas para três jogos da Copa? É revoltante. Não há a mínima coerência na organização da Copa no Brasil".
- São Paulo acaba de ser confirmado como a sede da abertura da Copa. Você concorda?
"Como posso concordar? Colocaram lá três tijolinhos em Itaquera e pronto... E a sede da abertura é lá. Quem pode garantir que o estádio ficará pronto a tempo? Não é por ser São Paulo, mas eu não concordaria com essa situação em lugar nenhum do País. Quando as pessoas poderosas querem é assim que funcionam as coisas no Brasil. No Maracanã também vão gastar uma fortuna, mais de um bilhão. E ninguém tem certeza dos gastos. Nem terá. Prometem, falam, garantem mas não há transparência. Minha luta é para que as obras não fiquem atrasadas de propósito. E depois aceleradas com gastos que ninguém controla".
- O que você acha de um estádio de mais de R$ 1 bilhão construído com recursos públicos. E entregue para um clube particular.
"Você está falando do estádio do Corinthians, não é? Não vou concordar nunca. Os incentivos públicos para um estádio particular são imorais. Seja de que clube for. De que cidade for. Não há meio de uma população consciente aceitar. Não deveria haver conversa de politico que convencesse a todos a aceitar. Por isso repito que falta compreensão à população do que está acontecendo no Brasil para a Copa".
- A Fifa vai fazer o que quer com o Brasil?
"Infelizmente, tudo indica que sim. Vai lucrar de R$ 3 a R$ 4 bilhões e não vai colocar um tostão no Brasil. É revoltante. Deveria dar apenas 10% para ajudar na Educação. Iria fazer um bem absurdo ao Brasil. Mas cadê coragem de cobrar alguma coisa da Fifa. Ela vai colocar o preço mais baixo dos ingressos da Copa a R$ 240,00. Só porque estamos brigando pela manutenção da meia entrada. É uma palhaçada! As classes C, D e E não vão ver a Copa no estádio. O Mundial é para a elite. Não é para o brasileiro comum assistir".
- Ricardo Teixeira tem condições de comandar o processo do Mundial de 2014?
"Não tem de saúde. Eu falei há mais de quatro meses que ele não suportaria a pressão. Ser presidente da CBF e do Comitê Organizador Local é demais para qualquer um. Ainda mais com a idade que ele tem. Não deu outra. Caiu no hospital. E ainda diz que vai levar esse processo até o final. Eu acho um absurdo.
- Muito além da saúde de Ricardo Teixeira. Você acha que pelas várias denúncias, investigações da Polícia Federal... Ele tem condições morais de comandar a organização Copa no Brasil?
"Não. O Ricardo Teixeira não tem condições morais de organizar a Copa. Não até provar que é inocente. Que não tem cabimento nenhuma das denúncias. Até lá, não tem condições morais de estar no comando de todo o processo. Muito menos do futebol brasileiro... "




Entrevista concedida ao repórter Cosme Rímoli, da TV Record.
"A África apresentou há alguns meses atrás o resultado final da Copa do Mundo: deu prejuízo e grande. Agora é a vez do Brasil. Fifa, CBF, políticos e os empreiteiros vão ganhar muito dinheiro. E o povo? Nada como sempre!
Apenas terá a obrigação de contribuir para pagar a conta.
Precisamos virar a cara para esses eventos literalmente sujos e mafiosos.
Quem teve a idéia de promover, o evento em nosso país, alguém sabe?
O Brasil é uma farsa, como sempre irá jogar a sujeira para debaixo do tapete. "

domingo, dezembro 18, 2011

Conceito X Preconceito X Direitos Humanos (guacira maciel)

Há alguns meses, assistindo a um episódio do programa “Low and Order”, da Universal, fui tomada por um forte sentimento de perplexidade e revolta quando um pedófilo, ao ser preso pela dupla de detetives, disse, indignado, estar sendo vítima de preconceito.
Na minha concepção os conceitos precisam ser situados com certos cuidados para não se tornarem restritivos, mas também não serem aplicados como regra geral, sem reflexão, sem análise, sem respeito às especificidades das situações. Descritos como uma produção do âmbito da linguagem, não parece que possam atingir a complexidade dos sentimentos e dos comportamentos.
Me perguntei, então, qual o conceito de pedofilia que teria sido usado na visão dessa pessoa, mesmo que tenha sido um filme, embora ao comentar a questão com alguns amigos, o fato também já fosse do conhecimento e não, apenas, discutido no contexto de um filme, mas da vida real...
Não se trata de preconceito, que não caberia neste caso, indiscutivelmente; entendo ser preciso que esses assuntos sejam discutidos pela sociedade, pela família com mais abertura e ampla divulgação, ainda que apresentados em filmes, embora existam submersos e apaniguados em alguns ambientes bem específicos, como todos sabemos... A própria ciência oferece o tratamento chamado “castração química” para pedófilos, que, em se tratando de predadores, não deverá ser ofertado como opção. Para a Psicologia a pedofilia é uma perversão sexual em que a atração dessa ordem é dirigida para “crianças pré púberes”, e nestes casos, para a OMS, até “adolescentes de 16 e 17 anos podem ser considerados pedófilos, se tiverem uma atração persistente por crianças, pelo menos, 5 anos mais novas”, imagina adultos, que cada vez mais se interessam e violam a dignidade, a inocência de crianças com idades ainda menores... Uma criança não tem maturidade para entender a profunda violência, com desastrosas consequências para a sua vida, que envolve um ato desses; um ato que traz profundas consequências para toda a sua vida; maturidade para que seja classificado como consensual, ato amoroso... como dizem cinicamente os pedófilos.
A pedofilia é, assim, considerada pela ciência uma desordem mental e de personalidade do adulto, e um desvio, pela OMS. O ato sexual entre adultos e crianças é crime, assim como o é, o assédio, a divulgação, a apologia, e outras atitudes não mencionadas que possam ser praticadas por “alguém em quem uma criança confia, gerando a possibilidade de desenvolver conflitos entre a lealdade e a percepção de que essas atitudes são más, e pode ser ainda mais grave por desenvolver um profundo sentimento de solidão e abandono”, além do ato violento e destrutivo em si.Tudo está previsto e descrito na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
Orientação sexual, como se refere o personagem do filme, diferente do ato pedófilo, é caracterizado como atração por pessoas do mesmo sexo, sexo oposto, ou por ambos os sexos e não se associa por atração por crianças, pois estas são diferentes dos adultos tanto física, como emocional, como psicologicamente, para que se pense em classificá-la como orientação sexual.

sexta-feira, dezembro 16, 2011

A representação para o imaginário...(guacira maciel)

Hoje pela manhã tomava calmamente o meu cafezinho descafeinado e fumegante, enquanto pensava no significado nada ortodoxo que os números têm para mim... sempre tive uma percepção algo esquisita sobre eles, mas essas reflexões me vieram à mente mais uma vez hoje, porque, como sempre faço todas as noites, dei uma olhada aqui no blog e vi o número de votos que, milagrosamente, ainda está sendo registrado (obrigada...), uma vez que a votação para o "Concurso TOPBLOG 2011" foi encerrada e os três finalistas escolhidos. Devo dizer que valorizo muito o fato de votarem em meu blog, porque isso se traduz em retorno e incentivo ao meu empenho para escrever mais, buscando imprimir sempre mais qualidade aos textos.
Bem...voltemos aos números e à impressão estranha que me causam...tenho aguda percepção de que quinhentos e quarenta e três ou sete...setecentos e trinta e cinco, oito, etc... não importa, são maiores que seiscentos; oitocentos, novecentos e por ai vai, porque entendo-os sempre abertos para a infinitude, para outras possibilidades, aliado à certa sonoridade que também é muito importante nesse processo...Posso explicar: os zeros me dão a idéia de fim, de restrição, de impossibilidade...
Sei que isso poderá parecer incompreensível, incongruente, etc; aliás, me perdoem os matemáticos, mas isso é muito forte e vivo em minha imaginação. Não gosto de nada fechado, acabado...até porque, mesmo que o zero não seja um conjunto vazio, e sei que não é...ele me encaminha à percepção de algo concluído e com restrição ao infinito; elemento de um universo que pressupõe limite, e a representação numérica sem ele me dá a sensação de liberdade, de possibilidades, de caminhar...Mas não pensem que não sei ou deixe de valorizar a importância que o zero tem, estando à direita de uma representação qualquer, como no meu salário, por exemplo...ali, eles serão sempre bem vindos e aceito tantos quantos quiserem acrescentar...

sábado, dezembro 10, 2011

O encanto se desfaz (cap. de Cruz do meu Rosário...) guacira maciel

Daquela luta, só conhecia o brilho dos diamantes já lapidados, que lhe garantiam toda sorte de luxos.
O encanto de Carlos se devia ao fato de muitas e muitas vezes ter ficado embevecido a ouvir as estórias contadas pelos tropeiros ao final do dia - após intermináveis semanas de confinamento na serra - sentados nas mesinhas toscas dos botecos tomando cachaça de má qualidade. Eram, na verdade, fantasias elucubradas naquele isolamento, como forma de se protegerem da loucura absoluta, sobre o duro dia a dia vivido nas grotas, sem sequer perceberem que suas vidas se esvaiam junto com o suor que lhes brotava da pele crestada pelo sol implacável durante verões que chegavam à beira dos infernos, acrescidos da temperatura interna dos seus corpos tensos; pelo frio de rachar dos invernos, ou das noites de qualquer estação, já que a região, como acontece nos desertos, tem noites extremamente frias e úmidas. Naquele cenário dantesco eles iam gradualmente esquecendo da própria humanidade, cabendo ao delírio preservar apenas a sobrevivência que mantinha o sonho, como uma tênue chama, e assim, criavam uma supra realidade que gestava a esperança do tal bambúrrio. Mas muitos não sobreviviam, inclusive, por causa da violência que se impunha naquela realidade, ou se mantinham em condição de seguirem, apenas, o elemento de combustão para a mortal lavra; então, à medida que os 'fortes' iam perdendo a saúde , eram substituídos por corpos jovens (apenas corpos...) e saudáveis. Para a imensa maioria, a velhice prematura chegava e ainda encontrava uma delirante esperança de riqueza. Numa dessas turmas de recém chegados encontrava-se Carlos, cujo sobrenome era totalmente desconhecido; era perigoso ter sua identidade de filho do patrão divulgada. Naquele ambiente não havia necessidade dessas considerações; pelo menos ali, podia-se dizer que existia igualdade, nem que fosse de uma forma que os tornava desiguais em relação aos outros seres humanos.
Então, Carlos presenciara uma realidade inimaginável; sempre pensara na lavra do diamante como uma grande aventura, cheia de emoções quixotescas... algumas vezes, encontrando-se perto de garimpeiros ele ouvia conversas à meia voz, nos raros momentos em que se davam o luxo de sonhar com planos de futuro:

-- Seu Zequinha, o qui o sinhô vai fazê primero quando incontrá aquele bichão piscando com uns oio de todas cor qui se pode pensá?

-- Home, diz só a primera qui ocê tem na cabeça; eu, por mim, já sei o que vô fazê...

-- Intão conta aí!

-- Eu dô um berro como a fera qui sô; um urro das onça qui nois ovia vim de dentro da mata quando ia caçá... -- Onça? aquilo era jaguatirica, qui aqui num tem onça das verdadera mermo!

-- É, eu sei...

-- Mas ocê só vai berrá qui nem a jaguatirica? é poco!

-- Não... depois eu disimbesto nesse mundão de meu Deus, qui nunca mais ocês bota os oio n'eu.

-- É... eu sei...e depois de ocê encher o rabo de toda cachaça e cumê todas as puta do arraiá, vorta morto de fome pra cumeçá tudinho otra vez. Eu sô mais veio qui ocê e já vi minino fazê o mermo e depois vortá chorano.

-- O quê? cumigo não!...tô dizendo? eu num vorto nesse inferno é nunca mais; é bastante uma pedrinha das boa!

-- Tá bom... vamo pará com essa cunversa qui o jagunço do coroné tá oiando pensando que nois tá cum arguma tramóia...

-- O que ocê disse?

-- Ocê nunca viu falar das coisa qui os pesoá faz pra iscondê uma pedrinha mixuruca, não?

-- Conta o sinhô, intão...

-- Eu sô macaco veio e já vi coisa qui o Todo Puderoso duvida...


Nesse momento, faz desajeitadamente o sinal da Cruz e tira respeitosamente da cabeça frangalhos do que fora um chapéu.


-- Apois eu tô dizendo... por essa luz que me alumia, qui muitas vez chamaro o dotô Filício já cheio das cachaça pra tirá do rabo de muito macho aqui, um carbonato de nadinha, que iscondero lá pra robá o dono do garimpo...

-- Vixe Maria!...e o dotô faz isso bebo ?

-- Ôxe! diz o povo, qui quanto mais incharcado, mió ele trabaia; já vi muito macho chorando com as tripa de fora, de tanto tomá olio de rícino pra botá na bosta a pedrinha que robô...

-- Moço!... é mermo verdade, é?
-- Se é? Ôxe! E eu sô cabra de mintira? Isso é nadinha, moço. Tu ainda ta nos cuêro, mas vai vê muita coisa ruim se vivê pra vê...
-- Vixe Maria!! E eu tenho iscoia de outra vida? Vô tê qui ficá é aqui mermo.
---Intão se cuida, macho! Num tenta nem im pensamento robá os home...
---É...
Retrucou, pensativo, o jovem interlocutor. Na verdade, já vinha planejando alguma coisa nessa perspectiva, para abreviar aquela experiência tão sofrida, mas teria que adiar seus planos até se sentir mais seguro...


No domingo do primeiro final de semana, único dia em que podiam dar uma parada para descanso daquela exaustiva labuta, tendo febrilmente preso a uma das mãos um ramo de uma das espécies nativas de desconhecida e belíssima orquídea, Carlos desceu a serra...





quarta-feira, dezembro 07, 2011

A escola que sonhamos...(guacira maciel)

Partindo da escola que temos hoje na realidade brasileira, notadamente na Região Nordeste, em que as ausências e carências são as mais elementares, nos propusemos a expor, tomando como referência a realidade virtual – Second Life – a representação da escola que vive no imaginário, principalmente do professor de escola pública, mas que, diante de todos os avanços da ciência e da tecnologia, tem amplas possibilidades de vir a existir. Aliás, sabe-se que essa visão que há pouco tempo era de futuro, já chegou ao requinte de construir comunidades reais, tendo como modelo a realidade da Second Life que é tão fortemente presente em nossas vidas na contemporaneidade.
Para tornar esse sonho factível, um dos pontos fundamentais é estimular o interesse dos educadores em realizá-lo. Para tanto, sabendo-se que há os que não desistem e que, mesmo na maior escassez fazem um bom trabalho, seria fundamental começar por estimular a infância e a juventude a sonhar também e a não desistir. Podendo-se pensar, inclusive, que o que os move a cada dia em que se levantam para um recomeço é imaginar que estão seguindo para mais um dia de trabalho na escola dos seus sonhos. Mas isso só não basta; é preciso diariamente construir condições, ainda que pequenas, através da busca do melhor que podemos oferecer pedagogicamente, de forma a ir minando as resistências dos jovens, dos colegas, dos gestores, da sociedade, até chegar ao ponto, partindo desse micro mundo, de influenciar as políticas amplas voltadas para a educação que sabemos ser possível.
Já conhecemos a fundamental importância da mudança de consciência – toda mudança se inicia na mente – para mudar o que não queremos em nossas vidas. Em sua obra Realtragismo, o jovem escritor, Hiago Rodrigues Reis de Queirós, afirma que a “origem de toda tragédia é o descaso da sociedade frente a uma realidade que apela para ser mudada”. E por acaso, a escola já não se encontra em estertores? O que ainda precisamos esperar que aconteça, o que há de mais trágico que um “professor que finge que ensina e um estudante que finge que aprende?” A nós, professores, cabe grande responsabilidade, porque ainda temos sob nossa influência mentes limpas, puras, algumas das quais, especialmente na escola pública, ainda nos têm como única referência (positiva ou negativa...) e única possibilidade de encaminhá-los a uma realidade menos dura, menos restritiva e avassaladora.
Amplamente, a escola que sonhamos começa por respeitar a vida, as identidades dos sujeitos que transitam seus espaços, sabendo-os diferentes como seres com culturas, origens, grupos sociais, histórias, conhecimentos, bandeiras e sonhos, intrínsecos a essas identidades e ao fenômeno em que se constitui a juventude. A escola que sonhamos reconhecerá o direito de todo ser humano a ter igualdade de oportunidades, significando que “ ninguém pode ser impedido pelo poder político ou jurídico de desenvolver suas faculdades, tendências e personalidade, constituindo-se, assim, uma afirmação das diferenças nas atividades dos indivíduos e em reconhecimento explícito das diferenças econômicas e sociais que emergem da identidade dos homens aos olhos da lei”. Assim, pelo respeito ao direito a ter direitos, e ao pleno desenvolvimento humano começaria esse sonho a tornar-se realidade.

segunda-feira, novembro 28, 2011

Aventura intelectual...(guacira maciel)

Buscadora curiosa, insaciável e ousada como sou, me sinto cada vez mais estimulada a empreender essa aventura intelectual, a escrita literária, especialmente confortada pelo que ouvi a alguns anos de Edgar Morin, em palestra: "nos tornamos intelectuais quando enfrentamos problemas humanos, morais, filosóficos, sociais, de forma não especializada [...]. É preciso ter coragem intelectual", e mais, terem existido muito mais curiosos, ousados e aventureiros, como, Galileu, Pitágoras (570 a.C); Anaximandro de Mileto (609-10 a. C); Heráclito de Éfeso, denominado pai da dialética; Demócrito, expoente da teoria atômica, que sistematizou (já àquela época...) o pensamento e a teoria, tendo avançado o conceito sobre a infinitude do universo, e por aí vai... todos, homens pioneiros ousados, criativos estudiosos, que formularam e propuseram teorias sem aval dos doutorados pela academia. Aliás, eu chegaria até Nostradamus; por que não? embora o meu interesse seja aventurar o pensamento, a minha capacidade criativa, a possibilidade de buscar inter relações, usando a minha capacidade de pensar; não tenho interesse em ficar”polindo” o pensamento dos outros; não gosto de repetições, como um papagaio, inconsciente, sem refletir, sem relativizar e sem que o que repito, sequer, reflita ou represente o que sinto, verdadeiramente, naquele momento...  e um bom exercício para essa amplitude e autonomia de voo, é buscar convergências entre pensadores soltando o meu próprio pensamento, explorando outros universos; esta é a verdadeira aventura intelectual; o nascimento do pensamento novo, que se dá a partir de um processo exploratório, podendo significar, em ultima análise, um mergulho no pensar mestiço, plural, ou...pós moderno...
Bem... a essa altura já estarão me classificando de arrogante, pretensiosa ou louca mesmo... mas é isso aí e talvez, neste caso aqui, possa invocar o “penso, logo...” escrevo. Percebem o que quero dizer? e pergunto: onde se origina o conhecimento, até hoje? não é no senso comum, apesar de Spinosa? aliadas à prática, às experiências, ele é, originalmente, ciência, pensamento e pura filosofia; eu não disse Filosofia pura... segundo o filósofo contemporâneo (acadêmico de muitos títulos) Roberto Machado, “hoje é mais importante saber um pouco de muitas coisas – de filosofia e do que está fora dela – do que muito de uma coisa só” (Revista Filosofia, nº 32/ ). Eu concordo plenamente.
Pensar, essencialmente, é uma espetacular demonstração de consciência, de sensibilidade, entendida como um privilégio do ser humano, pelo menos até agora (eu não creio nisso, mas...). Entretanto, poder-se-á, daqui a pouco, chegar à consideração de que aqueles tidos como irracionais também pensam e eu, sinceramente, acho que sim. Até porque, não é incomum hoje, os que são entendidos como racionais, não pensarem...seria isso evolução? Um caso a ser pensado...

domingo, novembro 20, 2011

Profano (guacira maciel)

Peguei de volta as minhas alvoradas
e a paz de antes de ti
retornei de coração vazio das auroras boreais do teu olhar
recolhi as minhas frágeis asas de cristal
destroçadas pelos raios dos círculos de aço da tua íris
insensível e perversamente fita no nada
arranquei da minha intimidade as marcas impuras das tuas garras profanas
e dos teus dentes obscenos

que dilaceravam minha alma
escondidos sob a seda dos meus lençóis
já não sugarão a polpa doce
os teus lábios mentirosos em rictus de morte
rasguei todos os versos a duas e a quatro mãos
também soltei ao sabor das tempestades
as amarras dos barcos
entremeados da solenidade dos musgos
naquele cais imaginário
que se roçavam sensuais ao sabor das vagas de brisas imprecisas
rasguei as rendas tecidas pelo sol sob a sombra do teu cílio
libertei a mariposa do círculo de luz que limitava o vôo
e prendi os meus cabelos esvoaçantes sob o efeito de um vento de lugar nenhum
que escorriam inocentes por entre os dedos da tua mão
sob o teto do gazebo imaginário
sinto-me
afinal
vazia de ti
e livre
e pura
e plena
e pronta outra vez
porque percebo mais horizontes para a minha sede
do que dores na minha alma.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Aranha; gênero feminino? (guacira maciel)

Na verdade, a história de Penélope já foi alvo de bastante discussão e análise, talvez quase que no mundo todo e por vários autores. Segundo alguns deles, Penélope teria sido a primeira mulher na história que pode decidir seu destino; entretanto, faço outra leitura acerca do assunto.
Vejamos: mesmo que tenha sido seu pai, praticamente, a forçá-la a casar-se, o marido, sensível ao seu sofrimento, lhe teria dito que estaria livre para voltar para casa. Observo nessa atitude um ato amplo de amor ou generosidade, mas que partiu dele; ele “permitiu” que ela voltasse a viver com o pai, se quisesse. Ela não teve autonomia para decidir não casar; apenas pode optar entre duas alternativas que o marido lhe oferecera, e mais, viveria sob a guarda e proteção de um homem ou de outro. Sem dúvida, ainda assim, existe um pioneirismo nessa história feminina, mesmo que não tenha partido dela a ousadia de posicionar-se contra uma decisão masculina; mas quem surpreendeu verdadeiramente foi o marido. Àquela época um homem não demonstrava tal grau de sensibilidade; os sentimentos das mulheres não eram, sequer, assunto para ocupar os pensamentos masculinos. Geralmente nem a chance de optar era possível a elas; por isso até posso entender que o tenha amado.


Quanto à segunda oportunidade de opção, restringe-se ao uso que fazia dos momentos de retiro compulsório de que dispunha, em função de ter uma vida reclusa por imposição de um filho adolescente difícil, até porque não se conformava com a prolongada ausência do pai. Aí, sim, criou; escreveu seu texto, sua história, tecendo e desmanchando tanto a mortalha, quanto o pensamento, porque tinha um objetivo: não se casar com outro homem; a mortalha era apenas a desculpa enquanto encontrava uma saída para si. Talvez – vá se saber! – ela estivesse pensando em, além de se preservar com o estado de espírito em que o marido a deixara antes de partir, uma vez que lhe dera chance de fazer uma opção em outro momento - ainda que entre duas alternativas suas – ou então, ser fiel a si mesma, o que seria bastante significativo e inusitado. Penélope criou, elaborou o pensamento – teceu - fazendo relações e utilizando uma estratégia para se livrar de um segundo casamento; mas não pode simplesmente dizer em nenhuma das vezes: não, eu não quero me casar!
Na verdade, sem poder decidir, ela fabricou uma oportunidade, utilizando uma desculpa: criou um texto na composição de uma mortalha; essa mortalha, na verdade, se constituiu a urdidura do texto maior: decidir a própria vida (não se casar); Penélope aprendeu a fazer opção (e gostou), a elaborar o pensamento, a lutar, com as armas de que dispunha contra o que não concordava e, sem dúvida, isso foi pioneirismo. Decidir implica em liberdade para analisar, refletir e seguir um caminho usando o livre arbítrio a partir de referenciais pessoais; bem diferente de optar entre duas alternativas que nos são apresentadas, porque estas significam limites que não são os nossos, que são delineados por outrem, como um roteiro. Para mim, ela só foi livre quando engendrou, quando criou, quando teceu o pensamento, estabelecendo relações; sua independência foi puramente criativa.
A idéia do tecer e tecer, que usou como forma para ganhar tempo ou pensar em uma saída para não se casar, mesmo, como já foi dito, que o seu marido estivesse morto, nos remete à idéia de construção de uma teia feita por uma aranha feminina (o que não sei se é verdadeiro). E o que era ela, senão uma aranha solitária tecendo sua proteção contra os ataques, do filho, dos pretendentes, dos criados, da vida?...
Há uma outra questão importante a ser discutida; intimamente Penélope não se comportou dentro dos padrões da sua época, em relação à submissão feminina, especialmente das mulheres casadas (ver Mulheres de Atenas, de Chico Buarque de Holanda). Penélope não fez isso! O equívoco que aponto, em se tratando dessa mulher, é que ela não se comportou exatamente como as mulheres daquela época, ainda que socialmente tivesse mantido a postura que dela era esperada. Tanto que o rei Agamenon sobre isso teria dito: “A alma do filho de Atreu exclamou: ditoso filho de Laertes, industrioso Ulisses, grande era o mérito da que tomaste por esposa. Nobre os sentimentos da irrepreensível Penélope, filha de Icário, que soube manter-se sempre fiel a seu esposo Ulisses! Por isso, jamais perecerá a fama de sua virtude, e os Imortais inspirarão aos homens belos cantos em louvor da prudência de Penélope...”
Bem, creio que a fidelidade teria sido muito mais a si mesma do que ao marido, mas prudente, ela foi, sim; e sábia! A mortalha a ser tecida foi um ardil, porque sabia que esse costume seria respeitado por seu filho e pelos pretendentes. Àquela época era costume das mulheres tecerem uma mortalha para familiares que estavam prestes a morrer. E o que fez ela em sua prudência? Anunciou que após tecer a mortalha do sogro, que achou, morreria ao vê-la se casar outra vez, escolheria um dos pretendentes para marido. Aliado a isso, sabiamente finge uma subserviência que estava longe de sentir, acredito, usando, inteligentemente um costume socialmente respeitado, enquanto tecia outra e consistente teia, como nossa velha conhecida aranha tece sua proteção.
Nessa urdidura ela lança mão dos mais variados fios: o costume da época e lugar, sua revolta por ver-se outra vez submetida às vontades alheias, quando já experimentara o gosto de poder optar antes, aliado ao fato de, simplesmente, decidir continuar com o estado de espírito que conquistara com a cumplicidade do marido. E mais, já experimentara no casamento, o comportamento dos homens, quando se tratava de preservar seus direitos naquela sociedade; de forma geral eram beberrões, agressivos, glutões, insensíveis, infiéis...Quereria correr esse risco?
Observemos que há estreita relação entre o ato de tecer e de pensar, porque quando pensamos construímos relações; criamos elos (como uma teia) que servirão de base para um argumento que dará origem ao texto final. Neste momento, na elaboração da minha teia argumentativa, poderia me referir a Platão, que encontra afinidade entre o tecer e formas de estar no mundo e na sociedade, quando diz que a atividade de um político se assemelha à da tecelagem, em que deverá saber cardar (separar os fios) e fiar, porque teria a missão de unir o tecido maior e o menor para adequar a vestimenta, ou seja, o resultado que nada mais seria, que a elaboração da trama que sustentaria sua argumentação quanto a ser esta missão uma arte; a de conduzir homens.
E o que Penélope fez? Ela construiu uma trama – tramou – como base para sua argumentação/intenção de não se casar. Ela construiu duas tramas muito semelhantes e que se completam; pensou (uma trama) e teceu (outra trama), construindo dois textos que se entrelaçam, como um único, o texto final: não se casar. Fosse porque quisesse esperar um marido que não acreditara morto ou, simplesmente, estivesse bem, ou ainda visse naquela mortalha o encerramento da sua possibilidade de amar; o fim de tudo – a satisfação interior.
À medida que tecia Penélope construía uma base fortalecida por nós que ia dando, para que o tecido final não se desfizesse, mas oferecesse a necessária consistência, com todo o rigor técnico. Assim, nada podia escapar à sua previsão ao desmanchar aquela malha, que se constituíra a base da sua argumentação para a recusa. Esses nós, como o pensamento, firmaram a urdidura que segurou a composição daquele texto.
Interessante, percebo que quanto mais penso, quanto mais teço o pensamento, quanto mais o elaboro, mais fios e os mais diversos, encontro para fundamentar o que preciso dizer; e mais relações encontro entre o ato de tecer, de tramar - e de viver - uma urdidura que sustentará a trama deste texto ao escrevê-lo, produzi-lo.
No caso Penélope, extraordinariamente claro, encontro fios que pertencem a outros textos: mas o fio condutor foi o amor: por si mesma; pelo marido; pela liberdade. Essa foi uma construção, um texto escrito sobre firme urdidura. Percebem a sutileza? Agora, há outros sentimentos, outras paixões que transversalizam o amor, que são como ventos fortes, chegam de repente, não têm uma existência urdida, tramada, são fugazes como fios soltos, embora não deixem de afetá-lo. Sabemos que Ulisses também tramou para se defender da Deusa Calipso, tapando com cera os ouvidos dos seus tripulantes para que não ouvissem o canto mortal que, equivocadamente, se pensava ser das sereias, e se amarrando ao mastro do navio para não sucumbir, já que decidira ouvi-lo. Embora, lógico, não tenha sido criativo como a aranha encarnada por Penélope ao urdir toda uma teia argumentativa.
Perceberam que a minha própria argumentação se constituiu a urdidura do meu texto final, que teci o pensamento como uma aranha a teia, e fui dando os nós que seguraram a trama firme da argumentação? E o melhor, levei vocês a urdir também, a elaborar o pensamento, fazendo as necessárias relações para a construção de outros textos sobre sua própria urdidura; outros tecidos. Bom...

domingo, novembro 13, 2011

Políticas de Educação para a inclusão e o desenvolvimento (guacira maciel)


A história da humanidade é cada vez mais a disputa de uma
corrida entre a educação e a catástrofe.
Wells, H. G.

O Brasil é um país imenso e, portanto, inacreditavelmente diverso, e não estou falando apenas da sua extensão territorial; sob certos aspectos a sua diversidade é desconhecida dos próprios brasileiros...creio mesmo que é meio teórica a diversidade de que se fala quando são pensadas as políticas de inclusão, em todas as circunstâncias. Por esta razão, há que se ter cuidado com propostas que possam correr o risco de se tornarem inviáveis em consequência desse desconhecimento, porque a diversidade não ocorre por região (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste...), e sim em cada contexto, em cada pedaço de chão... Atualmente estou tendo uma das experiências mais inesperadas, mais emocionantes, mais interessantes, mas também das mais tristes, através de um programa de educação que oferece uma metodologia muito específica e rica para se trabalhar com as crianças e jovens do campo, em classes multisseriadas.
Sempre vi essa oferta com ceticismo por não acreditar que fosse pedagogicamente viável, aliás, achava que ela ia de encontro às teorias didático pedagógicas modernas, e que a aprendizagem fosse quase impossível de ocorrer em uma sala onde estivessem presentes alunos em estágios e ritimos diferentes; idades diferentes, e por ai vai...Entretanto, ao entrar em contato com a realidade dessas pessoas do campo, para as quais essa prática pedagógica se constitui a unica oportunidade de escolarização, e mais, comprovar que ela funciona, que torna possível o sonho de aprender de tantos brasileiros, comecei a questinar tudo o que aprendi em tantos anos como educadora, e o meu desconhecimento de questões tão sérias como essa realidade em que vivem tantos irmãos.

Se apropriado por poucos, o conhecimento perde a dialética com a vida, deixando de ser um processo emancipatório para tornar-se instrumento de desigualdade, que segrega os grupos sociais. Historicamente, no Brasil a educação dos jovens que se encontram excluídos do processo de escolarização quase sempre se pautou por uma vertente assistencialista e compensatória, através de projetos destinados a subgrupos, muitas vezes organizados em horários alternativos em escolas sem condições de funcionamento e sem preocupação com a qualidade, perdendo-se o compromisso de atender aos anseios das pessoas e distanciando-se dos anseios dos educadores, como responsáveis pela mediação no processo de aprendizagem.

Mas se vêm instaurando políticas que pretendem respeitar o direito constitucional dos sujeitos em lugar de ofertas quase subjetivas de educação, que implicam diretamente em financiamento direcionado, com previsão orçamentária e perspectivas de crescimento da oferta e a continuidade das ações, sendo importante dizer que as populações jovens que estavam fora da escola já se encontram incluída nessas políticas, com propostas de educação sistêmica, embora num tempo diferenciado, que considera os sujeitos em suas múltiplas dimensões.
Essas abordagens tratam da educação básica presencial, cuja busca é a inclusão, com qualidade, na rede de escolas do sistema público, visando que o jovem, além do desenvolvimento do sentimento de pertencer a um grupo em que possa se identificar através de valores culturais e históricos similares entre si em um processo dialógico com a comunidade, também abrindo perspectivas de desenvolver seu potencial pessoal para contribuir com o desenvolvimento regional, iniciado com o local/endógeno, no seu contexto de vida, porque esse modelo se estrutura a partir dos próprios atores locais, uma vez que é importante evitar o êxodo rural, e fixar em melhores condições o homem no local onde vive, para que ele não se veja obrigado a emigrar para outras regiões, apenas, porque não tem o necessário para uma vida digna.

Estou me referindo com mais ênfase a essa proposta de educação específica com a qual estou construindo relações, que é realizada através das classes multisseriadas e que eu classificaria, a priori, como especialmente compensatória na perspectiva referida acima, mas reavaliada como extremamente necessária, assim como única possibilidade de oferta, e possível de ser feita com qualidade, dentro dos limites impostos por inúmeras dificuldades, porque muito ainda precisa ser feito, embora o material didático seja muito bom, interessante e de uma qualidade que evidencia que se está tratando essas pessoas com a dignidade a´qual têm dreito. Assim, em sua gênese, essa oferta precisará estar consciente da importância em oferecer uma educação prioritariamente humanística através de sua proposta curricular, uma vez entendido o papel social da escola, que faça sentido, que considere atender aos anseios dos estudantes em relação a uma aprendizagem qualitativa, encaminhamento à busca de consensos, fortalecimento do sentimento de solidariedade, bem como da compreensão, valorização e transmissão crítica dos valores culturais, entre outros citados. Entretanto, se faz necessário não provocar distanciamento, através de uma visão romantizada do universo real em que esses jovens vivem; um universo cultural com códigos que servem de base para o olhar e as experiências de vida que têm, sendo importante que se esteja atento para esse ser real inserido, muitas vezes, precocemente no mundo da produção, e que seja respeitada essa condição de complexidade.
A priori, as políticas de educação não deveriam estar destinadas a grupos específicos, pois seu objetivo efetivo é combater todas as formas de desigualdades existentes e as formas que excluem os seres quanto à igualdade de condições dentro da diversidade, e das oportunidades. O atendimento às demandas específicas traz em seu bojo o perigo de se fechar à amplitude, privilegiando a uns e negligenciando a outros. No entanto, políticas includentes precisarão corrigir os descaminhos da universalidade a todo e qualquer indivíduo que vive em uma sociedade com elevado grau de desigualdade entre as classes, não significando que se diluam as diferenças entre indivíduos e suas questões de direito quanto à gênero, origem étnica, credo, idade, necessidades especiais, etc. As políticas específicas precisam se respaldar em estratégias que, considerando essas diferenças, possam oferecer igualdade de oportunidades amplas de acesso, ainda que considerando algumas vulnerabilidades de grupos que em sua trajetória histórica foram marcados pela exclusão, apresentando as consequentes sequelas da permanência prolongada nesse estado.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Os pés do defunto (guacira maciel)

Em uma das minhas viagens de trabalho, realizada a poucos dias no sul da Bahia, como de hábito ouvi histórias bem interessantes, mas esta foi hilária pela originalidade e pela forma como foi contada, e assim, não pude me furtar a registrá-la aqui (até porque usos e costumes se constituem cultura), embora tenha me comprometido em não identificar o município para evitar que a narradora fosse expulsa da cidade. Segundo a mesma, lá existe o costume de se velar os defuntos em casa e fora do caixão! O dito cujo é colocado em sua própria cama, enrolado em um lençol, ficando com os pés descobertos, e todo visitante que se aproxima pra prestar sua ultima homenagem, levanta o lençol, dá uma olhadinha no exposto, carpe algumas lágrimas, volta a cobrí-lo fazendo piedosamente o Sinal da Cruz para encerrar o ritual, e depois sai para bater um papinho com os amigos do lado de fora do quarto. O detalhe interessante é que não importa em que condições estejam os pés do convocado ao paraíso. Um dia, tendo ido ela mesma, a nossa narradora, carpir algumas lágrimas no velório de um conhecido, percebeu, indignada, que os pés do defunto estavam imundos, o que a deixou penalizada; então, ao ver que mais uma visita se aproximava, puxou rapidamente o lençol para cobrí-los, deixando-lhe o rosto descoberto e quando a mulher foi cumprir o ritual de praxe, levou o maior susto da vida, ao dar de cara com o morto já descoberto!...

domingo, novembro 06, 2011

As zebras...(guacira maciel)

Esta semana vi um documentário sobre zebras no “Animal Planet”, que me deixou absoluamente encantada, maravilhada mesmo, com a sabedoria da criação...Percebi então, que sempre olhei (se olhei...) para esses fantásticos seres com um desinteresse imperdoável, absurdo e desrespeitoso. E pensei que nada na criação pode deixar de ser visto, percebido e observado com respeito, com atenção, porque a vida é um espetáculo tão profundo, tão absoluto, que se torna uma heresia não perceber isso...foi o sentimento que tomou conta de mim quando olhei para as zebras naquele momento e percebi como são belas. A arquitetura das listras é absolutamente perfeita; elas têm um traçado tão harmonioso, tão em sintonia, que nenhuma delas se perde; uma direção tão específica que nenhuma acaba sem um sentido...Eu sei que nada é aleatório na criação, mas ainda assim, fiquei emocionada com essa harmonia...Na parte mais frontal da cabeça e da cara – a parte que mais seduziu o meu olhar – elas formam um desenho que parece estar sob o efeito ótico de uma lente convexa, porque partem de um molhe comum na parte mais alta, se abrem em ângulos iguais dos dois lados e depois se encontram novamente, passando ao redor dos olhos com perfeição. Outro conjunto parte do dorso em perfeita sinuosidade e harmonia com os músculos, e se encontram na parte de baixo da barriga, sendo que algumas descem pelas ancas até as coxas e depois até as canelas; o acabamento do ponto de onde partem é dado com uma listra dupla no sentido do comprimento, parecendo cobrir toda a coluna até o rabo, onde é finalizada com pelos. Por falar em pelos, a crina, bem curta, também tem total harmonia com as listras das costas...É incrível! Nem o mais perfeito projeto se lhe compararia em perfeição, harmonia e beleza.
E mais, as listras brancas são as que têm o papel de fazer o resfriamento para equilibrar a temperatura interna do corpo. Desculpem, mas espero que possam me entender, porque fiquei em estado de epifania com a beleza desses animas...porém, se fosse observar todos os outros sei que o encantamento seria o mesmo que senti diante das zebras!...

sexta-feira, novembro 04, 2011

Sherazade Contemporânea; introdução do cap.I Encantamento (guacira maciel)

-Vamos dançar?
Senti uma forte pressão no braço e olhei um pouco irritada para ver quem fora tão enfático. Então, me deparei com os mais belos e puros olhos azuis que jamais vira! Uma espécie de nebulosa dourada pairava sobre sua cabeça. Hipnotizada, levantei-me assentindo, o olhar submerso naquele oceano profundo onde brincavam finíssimos raios de sol, inocentemente alheios ao efeito devastador que causaram em mim.
Dançamos sem nos dar conta do ritmo que acompanhávamos. Continuamos assim, encantados, por quase toda a noite, uma das mil e umas que protagonizaríamos nessa nova dimensão. Tudo emudecera; não havia necessidade de música; o som que escutávamos estava impregnado nos acordes dos nossos corações. Também não havia mais ninguém ao nosso redor e o silêncio externo era absoluto. Em algum momento percebemos que todos nos olhavam e só então nos demos conta de que a banda fizera um pequeno intervalo. Saímos, porque entendemos que ficar ali já não fazia nenhum sentido.
Como ambos estávamos de carro, ele pediu para me acompanhar até em casa e nos despedimos com um toque de buzina. Nem nos lembramos de marcar um encontro ou anotar um número de telefone. Apenas sabíamos que nossos locais de trabalho ficavam vizinhos. Mas sabíamos que esse encontro não fora um acaso.
Dois dias depois liguei procurando-o, com a desculpa mais improvável do mundo. Dessa vez ele pediu o número do meu telefone e no dia seguinte ligou para saber se eu gostaria de almoçar com ele.


-Vamos a um restaurantezinho delicioso, onde se faz um carneiro fantástico.
-Nossa!... desculpa, mas eu detesto carneiro!
Ele achou graça e disse:
- Pelo menos é sincera e diz logo o que pensa. Mas lá também servem uma boa variedade de saladas...
O que comeríamos não tinha nenhuma importância, claro, porque o êxtase nos envolvia e a atmosfera mágica daquela noite permanecera entre nós. Só quando nos sentamos frente a frente pude ver claramente aqueles olhos tão azuis que tanto me encantaram. Conversamos bastante, mas nenhum dos dois sabia explicar o que estava acontecendo realmente. Pareceria a quem nos ouvisse, que aquele diálogo não fazia sentido algum, não tinha uma lógica compreensível. E, na verdade, nunca soubemos, porque isso sempre aconteceu enquanto estivemos juntos nos dez anos seguintes, apesar de todas as dores que esse amor me trouxe. Quando nos encontrávamos tudo se recompunha, se regeneravam os ferimentos, e o coração permanecia em paz.
Aos poucos ele foi se revelando um homem extremamente poético e doce, mesmo sendo forte, protetor, decidido. Suas mensagens de email e conversas, especialmente as conversas das madrugadas, eram maravilhosas... ele adorava que eu as usasse como referência para compor alguns dos meus poemas, a exemplo do “Poema a Quatro Mãos I”, que o deixou com lágrimas nos olhos. E como todo aquele clima me encantava!
Continuamos a nos ver diariamente; qualquer coisa era motivo para um encontro, sempre nesse clima de magia. Sentíamos uma urgência tão grande em nos ver, uma falta tão orgânica do outro, que já nos era impossível viver separados. Nossos encontros sempre eram permeados de uma carga emocional tão profunda, que às vezes ele chorava, o que lhe deixava os olhos ainda mais brilhantes e azuis, se isso fosse possível. Como ele sabia do meu amor pela dança, me convidava, até três vezes por semana e sempre era maravilhoso...Um dia ele me ligou da rua perguntando qual o número do meu pé, e disse:


-Á noite quero você com um lindo vestido, temos um programa...e chegou com a mais linda e delicada sandália de altíssimos saltos.


-Vamos jantar e inaugurar esta sandália?


Era comum ele fazer surpresas que me encantavam; quantas vezes eu estava em seminários e encontros, e ele ligava, geralmente em momentos até inoportunos, porém, mesmo ficando constrangida, meu coração enlouquecia de alegria...
- Minha filha, você pode fugir daí agora? Eu estou indo lhe buscar para conversar um pouquinho e almoçar com você.
As minhas amigas já sabiam dessa “loucura” que me acometera e que entorpecia a minha capacidade de raciocinar, acionado um toque especial; então, tratavam de me cobrir e liberar, porque se não fosse assim, eu não conseguiria mais me concentrar em nada.
Um dia, após um desses almoços habituais ele parou em frente a um chaveiro e disse inesperadamente:
- Minha filha, me dê aí a chave de casa – já a chamava a nossa casa -, que vou fazer uma cópia para mim, para que eu tenha mais liberdade de chegar à hora que quiser, sem precisar pedir aos porteiros que abram o portão...
Eu ri.
-Também... para eles é meio estranho vê-lo chegar às duas, três horas da manhã, sem que seja morador do prédio.
Ele riu só de imaginar a cara de um deles, que era muito religioso. Entretanto, suas chegadas intempestivas em nada me incomodavam, ao contrário, me deixavam extremamente feliz e sempre meio alerta, torcendo para que fizesse a ‘surpresa’ de chegar e me abraçar enquanto eu fingia dormir.
- Às vezes vou deitar, mas não consigo dormir. Sinto uma falta tão intensa de você enroscada, dormindo tranquila junto de mim, que levanto, pego o carro e saio sem ligar para avisar, com receio de acordar a “perua”; era assim que chamava, carinhosamente, minha filha adolescente.
Continuamos a nos ver diariamente; quando eu chegava ao trabalho pela manhã, ele já havia telefonado três ou quatro vezes, só para “ouvir a sua (minha) voz e saber se
estava tudo bem”... Aquilo desmanchava meu coração; nunca conhecera tantos cuidados, jamais havia sido tratada com tanto amor e sensibilidade.
Mas eu sentia que algo muito sério sobrevivia sob o comportamento dele; por mais carinho, por mais amor que eu sentisse existir, nós não tínhamos uma vida sexual plena, ele não tomava nenhuma iniciativa nesse sentido. Eu estava intrigada, porque isso não é usual entre duas pessoas que se amam; eu percebia alguma dificuldade em seu comportamento, mas não sabia como abordar o assunto, com receio de ofendê-lo ou que ele me entendesse mal. Sabe-se que essas questões são muito delicadas para um homem; é muito difícil os homens admitirem dificuldades quanto à sua sexualidade. Eu até cheguei a pensar que não o estimulava nesse sentido, que não o atraía.
Uma manhã, logo após acordarmos, ele falou:
- Minha filha, vamos passar o fim se semana em uma praia; você conhece alguma especial?
- Bem... não conheço uma... Mas porque vamos assim, intempestivamente? embora você goste de surpresas, eu também, isso é inesperado em um fim de semana comum...
- Não!...vamos no próximo, que é um fim de semana prolongado.
- Ah!... mesmo?! Meu Deus, eu vou adorar viajar com você, meu urso...(risos)
Ele me abraçou por trás, imitando um urso, e me beijou várias vezes no pescoço; quando fazia isso, era impossível fugir dos arranhões da sua barba por fazer...ele ria, sabendo como eu ficava, e me prendia mais apertado. Ele sempre estava assim, bem humorado. Era maravilhosa a nossa convivência.

quarta-feira, novembro 02, 2011

O currículo... (guacira maciel)

Fragmento de uma pesquisa que analisa as relações étnicas no Brasil e sua participação no currículo da Educação Básica, apresentada e avaliada pela ANPed



(...) O que aqui se põe em discussão e se defende, não é a africanização segregadora e ditatorial, muito menos a continuação da europeização, como há séculos vem ocorrendo no currículo da Educação Básica, mas a inclusão das duas outras etnias, e até culturas mais recentes, como a japonesa, que já se faz presente há mais e meio século e que lentamente vem somando-se às primeiras; defende-se o direito que elas têm de participar desse currículo. Que se fale no elemento africano como parceiro na colonização, o que não seria menos verdade, entretanto, não com inclinação por parte do colonizador, a “transigir”. Na verdade, a fundamental participação do africano na formação cultural do Brasil só ocorreu, porque não havia como coibir algo que ocorria de forma sub-reptícia, mascarada e indetectável, até por necessidade de sobrevivência sócio-antropológica espontânea e cultural, de caráter absolutamente preservador da vida e da cultura, mesmo na situação degradante em que sobrevivia. Há um esforço proposital e inegável em demonstrar que no Brasil essas relações eram pacíficas e harmoniosas, descaracterizando a nobreza na resistência escrava, em oposição à idéia de desumanização e degradação de um povo e de sua cultura. Assim, continua o autor


(...) parece ter predisposto o Brasil a combinar, de forma evidentemente
feliz, presenças aparentemente inconciliáveis os incompatíveis como a
européia e, além da ameríndia, a africana.O mito dessa incompatibilidade
o Brasil vem destruindo da maneira irrecusável (...) vem demonstrando
que podem harmonizar-se sem uma das etnias tornar-se absoluta no seu
domínio sobre as outras. Diga-se talvez melhor: * com as três tendo
oportunidades de se fazerem sentir ... (Idem, Ibidem).


Na verdade, até o presente, é evidente e irrefutável a incompatibilidade das presenças, aqui mencionadas como mito; há, sim, uma predominância étnica, sendo que duas delas vivem em acirrada disputa: a eurocêntrica impondo-se como legítima e superior e a negra brigando para ocupar o lugar que lhe pertence por direito como parte integrante da cultura brasileira. Quanto à terceira, sobrevive em confinados fragmentos de reservas, nas terras que lhe foram doadas pela natureza.
Levando-se em consideração a tese de que o homem “cria, desenvolve e conserva estilos de vida e instituições” que, em sendo autênticos, são “condicionados por situações de espaço físico ou por ecologias que se projetam sobre situações de espaço sócio-cultural”, como enfatiza o mencionado autor em sua obra, o indígena o realizou e não pode ser considerada menos desenvolvida, mas autêntica, de acordo com sua situação, ecologia e espaço físico reais; não se pode estabelecer paralelo entre contextos, realidades ou culturas diferentes. Esse homem é um homem real, que se desenvolveu sob vários aspectos (comportamentos, pensares, instituições, costumes), num contexto real, de acordo com seu lugar, seus espaços físico/ecológicos, extrapolando e ocupando uma dimensão sócio-cultural.
O negro construiu culturas, condicionados por suas realidades, também autênticas, mesmo tendo já estabelecido contatos ancestrais (intra ou extra continente africano), consistentes e duradouros com outras culturas e, nem por isso, abstratas ou menos desenvolvidas. Foram situações experimentadas, vividas, gestadas por novos padrões, até nas relações de submissão ocorridas no seu próprio contexto cultural e espacial.
Embora me pareça que alguns autores justifiquem o fenômeno chamado por Valdemir Zamparoni de “verdadeira amnésia cultural”, não é mais aceitável que isso continue a ocorrer. Chega de lengalenga! Não importa mais que a memória africana esteja ligada por alguns, à imagem negativa da escravidão! É preciso superar isso e partir para novos paradigmas. Grosso modo, a sociedade já está cansada de saber que tudo foi criação, engendrada pela necessidade de ser criada no Brasil uma hegemonia que teria que pertencer à cultura européia. E a escola se constitui um ótimo lugar para se começar essa mudança de fato.
Há que se ter consciência dessa situação, principalmente por parte dos países, considerados, desenvolvidos; se é que se pode dizer que países que passam sua vida perseguindo supremacia econômica, a despeito de todo sofrimento dos países pobres, que não conseguem alimentar, educar e proporcionar vida digna a seu povo, possam ser chamados de desenvolvidos. Essa é uma realidade que não é incomum em boa parte deles:


(...) uma realidade cruel e passível de ser melhorada se considerarmos que em 2003,

o mundo gastou 956 bilhões de dólares em armamento, ¾ dos quais realizados

por países ricos, que representam apenas 16% da população mundial. Esse

orçamento é maior do que a dívida externa de todos os países pobres juntos e dez

vezes maior que todos os recursos direcionados a causas humanitárias, de acordo

com a SIPRI ( Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, Estocolmo, junho de 2004)
(MACIEL, 2005).

O continente africano vem passando ao longo de sua vida, por muitas situações de desrespeito a seu povo, sua história, sua cultura, motivado por uma colonização sem precedentes, seja nas Américas e depois em seu próprio lócus, promovido, inclusive por essa saga, que se constituiu a diáspora. Suas fronteiras foram remarcadas numa atitude de desprezo à suas soberanias, e, à semelhança da homogeneização aqui praticada (como lá), teve suas fronteiras - e identidades - desconsideradas e re-unidas ao bel prazer do colonizador.
Em consequência, como já mencionado, situações em que o orgulho, as crenças, o sagrado, as línguas, as historias, na obrigatória convivência com povos historicamente rivais e/ou inimigos, tiveram suas mais profundas raízes, fundidas, até anuladas para, por força da necessidade de convivência, serem reconstruídas, redimensionadas por novas fronteiras (econômicas, culturais, religiosas...); novos limites.
Outra desastrosa consequência dessa invasão, o esvaziamento das regiões, em função do tráfico desenfreado e feroz, assim como a evasão de riquezas, desequilibrou sua organização sócio-econômica e administrativa, fato que impediu a estruturação de instituições democráticas e de direito, como aquelas que compõem os serviços públicos e assistenciais, o trabalho, a educação, entre outras do mundo contemporâneo, às quais um grande contingente ainda não tem acesso.
Sem dúvida, a África, onde as populações morrem de fome, de doenças endêmicas, inclusive AIDS, se constitui um gigantesco desafio para essa sociedade, e não menos responsabilidade. Mas, é também um manancial de belezas e sensibilidades, que não pode continuar a ser limitado pelas fronteiras da doença, da miséria, e as da nossa ignorância e insensibilidade.
Nas décadas de 20, 30 e 40 os intelectuais brasileiros enfatizaram princípios científicos que passaram a determinar as diferenças biológicas entre seres humanos, sendo esse período o de maior divulgação das idéias racistas no Brasil. Os negros e os pobres se constituíam problema; diante dessa realidade uma das medidas a serem tomadas seria aquela em que a medicina e a escola mantivessem estreitas relações, disseminando políticas de saneamento, higienismo e eugenismo. Médicos e educadores se envolveram na questão, a exemplo de Fernando de Azevedo e o próprio Anísio Teixeira, que eram membros da Sociedade Eugênica de S. Paulo, isso em 1918 (anos 20), tendo Fernando de Azevedo declarado que a educação tinha o papel de regenerar a humanidade. Aqui convém citar o pensamento do conhecido médico criminalista Nina Rodrigues (Bahia), em seu livro Os africanos no Brasil, em que explicita uma problemática teórico/ideológica corroborando o que foi citado:

(...) se conhecemos homens negros ou de cor, de indubitável merecimento e

credores da estima e respeito, não há de obstar esse fato o reconhecimento

desta verdade, que até hoje não se puderam ver os negros constituir-se em povos

civilizados (...) para a ciência não é esta inferioridade mais do que um

fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do

desenvolvimento phylogenético da humanidade(...) ( RODRIGUES, )

Nesse caminho prosseguiu Arthur Ramos, também médico, que, a despeito de ter abandonado o etnocentrismo, influenciado por Lévi-Bruhi (teoria da mentalidade pré-lógica primitiva), situou o negro como passível de ser aculturado por seu caráter de inferioridade cultural.
Durante essa fase, os prédios das escolas tinham características hospitalares, e os negros e pobres precisavam ser socializados dentro dos valores europeus. A partir desse discurso (sob o ponto de vista da saúde), a escola passa a utilizar-se de mecanismos de controle reprodutivos, sociais e morais, no discurso de que era uma forma de proteção aos estudantes, ensinando-lhes hábitos sanitários, como forma de preservação da saúde e a prestar assistência física e psíquica (...).

sábado, outubro 29, 2011

Ato político e ato de prazer...(Guacira Maciel)

Entendendo que educar e aprender, : o monge (teólogo, humanista e retórico) Erasmo de Rotterdm. Na verdade, a sua obra mais conhecida é “Elogio da Loucura”, uma sátira tão inteligente porque sutil à sociedade européia do séc. XVI, mas sua proposta para uma educação pública é absprecisam ser, além de atos políticos, atos de prazer, gostaria de retomar uma forte referência, que é a do filósofo do Renascimento e um homem que mais que qualquer outro está presente nas propostas de educação que entendemos contemporânea e absolutamente atual em se tratando de lógica metodológica e visão conceitual.
Apesar de ter sido um educador das elites, tendo, inclusive, o seu trabalho pedagógico publicado sido dedicado a Henrique de Borgonha, filho de Adolfo, príncipe de Veers, ele declarou que seu maior interesse era atingir em sua proposta a grande quantidade dos que não tiveram a sorte de ter um “preceptor” nem a condição de freqüentar cursos particulares, que eram privilégios dos “apaniguados da fortuna”. Trouxe aqui este sábio filósofo, para enfatizar o que hoje consideramos fundamental à educação e achamos ser fruto das nossas mentes brilhantes: o estímulo ao prazer de aprender; para isso, em sua obra “De Pueris” ele considerou importante a “descontração pedagógica” e defendeu uma educação pautada na leveza (como também propôs Ítalo Calvino em relação à Literatura – em “Seis Propostas para o Próximo Milênio” -), e que amplio aqui para todas as instâncias da aprendizagem, vez que entendia o Mestre Erasmo, ser a Arte fundamental, e questiona: “que de mais ameno que as fábulas dos poetas? Elas têm o condão de cativar os ouvidos infantis”. Fala ainda que amar o educando era condição primordial e que “sob essa condição a criança aprende com maior receptividade [...] por isso convém que o preceptor, de algum modo, saiba fazer-se criança...” Ele também entendeu ser importante que o trabalho pedagógico estivesse ligado a um contexto, pois aconselhava que, “às histórias, sentenças breves e dinâmicas” fossem acrescentadas, além de também propor que “por isso sejam as histórias transformadas em desenhos [...] muitas crianças se distraem com pinturas de caçadas. Naquela oportunidade calha bem falar das espécies de árvores, ervas e quadrúpedes. Assim, aprendem de modo ameno, como se estivessem brincando”, ou seja, dentro de um contexto (posto que dentro de contextos) e de forma prazerosa.
Entretanto, o que mais me encanta na proposta pedagógica de Erasmo, vem ao encontro de um dos importantes pontos que me trouxe aqui; a valorização do conhecimento construído pelo jovem fora da escola, assim como estímulo ao protagonismo e ao autodidatismo, como entendemos hoje, numa primeira instância, evidenciado pela necessidade de se expressar à sua maneira, à maneira do seu grupo, e depois oportunizar o seu desenvolvimento pleno como ser e sujeito social; todos dentro do seu momento vivencial. Para Erasmo o educador não tinha a função de “plasmar” o aprendizado espontâneo que a criança/jovem já havia construído e sim ir ao encontro daquela potencialidade ajudando-o a enriquecer, a reconstruir e ressignificar esse conhecimento - dentro dos atuais paradigmas - através da aprendizagem escolar. Inclusive, o termo que ele usa em latim é o verbo “excolere”, de onde deriva o termo escola, e que significa “fazer sair pelo trato”, isto é, o educador acolhendo o que o jovem já sabe e abrindo-lhe possibilidades para possa se expressar.
Erasmo estava além do seu tempo, embora tendo se formado pela “Ordem dos Agostinianos”, tinha conhecimentos profundos do sistema educacional encabeçado “pelos religiosos profissionais que, sem pejo nem escrúpulos, comercializavam o ensino para auferir recursos financeiros das classes altas” (isso nós conhecemos muito bem) -, e criticou severamente o sistema educacional de sua época propondo formas para reabilitá-lo e à “arte de educar”, com intenção de livrá-la daquelas “aberrações”. Ele tinha consciência que o afeto, como a Arte, é um elemento catalisador amplamente eficaz em situações de aprendizagem, mas quero acrescentar, também na terapêutica, como nos mostra a sensível Dra. Nise da Silveira (uma mulher que viveu na contramão da cultura machista brasileira), em seu fantástico e incansável trabalho/estudo com a Arte como forma de tratamento do processo psicótico, que, inclusive, curou, com afeto e acolhimento, estimulando a expressão/representação, para trazer à luz as imagens do inconsciente, ajudando a mudar comportamentos de seres cuja vida já era considerada perdida. Ela disse ter usado a Arte para “conhecer, estudar e tratar os inumeráveis estados do ser”; aí está uma experiência que nos encaminha a buscar compreender como se dá a aprendizagem, como e quais caminhos tão subjetivos são percorridos para que aconteça, de fato - e o que a arte pode evidenciar através realidades que ampliam e/ou aprofundam as dos sujeitos (falaremos nisto mais adiante) -.Ainda não nos abrimos para esta necessidade, temos conceitos didático/pedagógicos muito rígidos. E não estou aqui, dizendo que a escola se torne um espaço terapêutico! Esta não é a sua função, e seus objetivos são outros.
Mas, quero concluir enfatizando a sensível palavra do Mestre Erasmo, sobre como entendia um professor: “... a cujo regaço possa confiar teu filho como o nutriz ao seu espírito a fim de que, a par do leite, sorva o néctar das letras.”

sábado, outubro 15, 2011

Cortina de papel...(guacira maciel - junho /2005)

Estou no trabalho. São 09h30min de uma luminosa manhã de segunda feira. Me sinto extraordinária e deliciosamente fora do contexto. Extasiada, leio as gostosas crônicas de Ferreira Gullar. Fantástico! mas preciso emitir um parecer técnico...Aqui, algumas presenças são por demais terrenas, sólidas, ácidas e subservientes...Ouço fragmentos de conversas sobre uma educação que não acontece nas nossas escolas: ...formação didática... forma... metodológica... os professores.. . projetos...Na verdade, me pergunto o porque disso tudo; eu mesma, o que faço, se nada posso fazer acontecer?...O dia está maravilhoso; ainda sendo segunda feira de manhã, de um dia de inverno na Bahia. O sol brilha em suave sobre nossas brancas mesas de trabalho, através dos rasgões no papel pardo que faz as vezes de cortina, em um contemporâneo janelão envidraçado - que permite a visão de um mar maravilhoso, com nuances opalescentes e perfeitamente integrado ao verde da vegetação - dilatando meu horizonte. Pensei que nem cortinas merecemos... ainda que aquelas tesas, de escritório...Por que, de repente e curiosamente, pensei em esvoaçantes cortinas de linho branco ou voil? e por que numa varanda em frente ao mar, filtrando a maresia e o sol acidular, que incendeia a vida e arde nas costas do nosso litoral e nas nossas próprias costas? qualquer praia... poderia ser Sítio do Conde, Aleluia ou Costa do Sauipe, desde que fora do eixo dos resorts e hotéis de luxo. Eles violentam o equilíbrio da ecologia que compõe uma cadeia perfeita de vida, filtrando também a beleza, a pujança e o que temos de mais puro na nossa luxuriante natureza, que em sua perfeição não precisa de retoques.Uma estrutura maldosa e desumana que engole tudo, como uma gulosa “boca de lobo”, interrompendo o curso da vida... a administração...a mídia, orquestradas por homens... batalhões de homens e mulheres, como formigas tendo que ir a algum lugar... como autômatos com sorrisos plásticos colados à boca; os espíritos aprisionados, insensíveis e estéreis, sem perceber a vida pulsando e, relutante, se esvaindo dos seus corações, roubando a seiva que vaza por seus corpos, cujas cabeças funcionam tão alto, que se fazem ouvir...Aqui, sinto e ouço o espírito do mundo, teimoso, querendo dizer alguma coisa que já sei e que tento, em vão, esquecer, mas que não posso, porque ele sou eu e é aqui que está a voz, que reconheço, doce, morna e amorosa de antes... isso parece ter sido há um século ou em outra vida...Meu coração bate tão forte que quase perco o equilíbrio; todo o meu corpo dói pulsando tenso como corda distendida de um instrumento qualquer; meus ouvidos parecem a pele sensível de um tambor e escutam esses batimentos como se estivessem fora de mim; a visão recebe impressões em cascatas vermelhas, azuis e alaranjadas, numa explosão que se assemelha a um ininterrupto bombardeio, em conseqüência da pressão deixada pelo correr veloz do sangue nas minhas artérias; tenho a sensação de vertigem e sugo sofregamente o ar, sem fôlego; como um náufrago, me agarro à tábuas molhadas, ofuscantes e escorregadias, boiando à minha frente, quase impossíveis de serem agarradas... páginas borradas do livro de crônicas aberto sobre a minha mesa branca, inerte, como eu....E meu olhar, aéreo, despenca sobre uma delas...fragmentos longínquos de conversas voltam aos meus ouvidos: “quando não há afetividade, a pessoa só enxerga as merdas do outro...”.

domingo, outubro 09, 2011

Acerca de aprendizagem...(guacira maciel)

Hoje vou falar um pouco sobre “Dissonância cognitiva”, porque tenho uma constante preocupação com a aprendizagem, já que sou educadora, e consciente do baixíssimo índice de aprendizagem, de fato, nas nossas escolas, apesar de todas as propostas...
Venho insistindo em buscar caminhos que me levem a entender o envolvimento do processo cognitivo na aprendizagem escolar e a importância que o desvendamento desse mistério se constitui para mim.
Assim, estava refletindo sobre os conflitos que me atingem pessoalmente algumas vezes, pelo fato de ter construído modelos, como todos os seres, fruto da minha experiência de vida sob todos os aspectos ( familiares, educacionais, emocionais, psicológicos, culturais...), ao confrontá-los com experiências que não os atendem.
Durante a infância/adolescência fui tímida e um tanto bucólica, totalmente diferente de minhas irmãs, que sempre foram arrojadas (eu diria). Meus projetos de vida eram modestos...nunca pensei, por exemplo, em escrever, em publicar coisa alguma. Nesse caminho, é muito comum lembrar, com saudade, de alguns hábitos dos meus pais, a exemplo de acordar bem cedo, quando a casa ainda estava envolta na penumbra do derradeiro estágio do sono profundo de todos nós (6 filhos), para conversar ouvindo música e tomando o primeiro cafezinho, ou sentar em cadeiras de lona postas sobre a calçada à noite para bater um papinho tranquilo, enquanto brincávamos por perto fazendo algazarra com inocentes brincadeiras.
Porém, ao mesmo tempo em que amo essas coisas e tenho saudades, sou uma contumaz usuária da Internet, consumidora voraz de E-books, e insaciável usuária de sites de pesquisa e coisas assim, por ser muito curiosa e inquieta, e ainda ter um estímulo constante e fortíssimo, que é escrever - já disse Machado que “o autor é um reflexo do que lê”, e Saramago:” os autores são filhos de suas leituras” – o que, segundo os estudiosos do assunto, é fundamental nos casos da “Dissonância” ( o estímulo) para fazer com que ela se suavize diluindo os conflitos. Mas será que hoje existe alguém que não os tenha?
Essa teoria foi desenvolvida por Leon Fertinger em meados do século XX, e descrita como uma tensão que se estabelece entre o que se pensa e acredita, e o que se faz, ou seja, comportamentos e aprendizagens que estão em desacordo com as demandas internas nos levam a embates íntimos. Uma forma de reduzir o desenvolvimento da dissonância é buscar, por exemplo, aquelas informações às quais temos acesso, de acordo com o nosso conhecimento e em sintonia com o que pensamos ser adequado a nós, à nossa forma de pensar, de nos relacionar com a vida, que seriam os modelos.
Então, em relação à aprendizagem, que é o meu maior interesse na questão agora, como todos construímos “modelos mentais” relativos a todos os nossos sentimentos, ações, comportamentos, inclusive à aprendizagem, uma informação recém adquirida se choca com esses modelos, ocorrendo a dissonância cognitiva entre os dois e instalando-se uma necessidade de buscar restabelecer a coerência, a harmonia, que é uma atitude (decisão, ação...) complexa, que irá variar de acordo com o grau de tensão estabelecida com o choque.
Segundo essa teoria, para reduzir o desconforto que se instala com esse estado de tensão, pode-se “substituir um ou mais modelos; buscar novas informações [complementares] que aumentem a consonância; alterar os pesos relativos em dissonância [um consenso] ou a relativização da nova informação”. O que me estimulou a aprofundar a questão, foi a compreensão de que, na aprendizagem ela pode se configurar um instrumento que poderá levar o estudante a reagir diante de um conhecimento novo e assim, a aprender, porque esse choque chama a atenção estimulando a imaginação. Porém, para haver uma acomodação é fundamental que o estímulo inicial seja mantido para favorecer a continuação da aprendizagem, sendo importante entender também, que o uso dessa técnica sem os devidos cuidados poderá levar ao cansaço por causa da tensão constante que se estabelece.
A técnica também poderá ser usada para mudança de modelos mentais, segundo Tom e Beth Kamradt. Mas não vou entrar na questão neste momento.









terça-feira, outubro 04, 2011

Preconceito x Direitos Humanos...(guacira maciel)

Existem coisas que precisam ser ditas quando chegado o momento, embora nem sempre as possamos dizer diretamente a quem se destinam, por proteção, por um poderoso sentimento que é o instinto de preservação. Os embates não se fazem necessários. Aqueles que têm o “poder” fortalecendo e apoiando suas atitudes inumanas, desumanas e rasteiras, facilmente podem caluniar, perseguir, aniquilar, anular o outro. Porém, esquecem que a luz das pessoas continua a brilhar sob as suas próprias cinzas; ela é indestrutível, porque inerente à sua condição. E essas atitudes são, tão somente, um demonstrativo de covardia, de medo, de reconhecimento das próprias limitações. “Se você não pode com o inimigo, junte-se a ele”? não, se você pode aniquilá-lo; pisá-lo, e sordidamente retirá-lo do caminho para que ele não continue a lhe mostrar suas fraquezas, suas limitações, sua fragilidade, suas dificuldades ( e até sua incompetência)... Juntar-se a ele seria até uma demonstração de grandeza de espírito, de humildade e poderia ser positivo. Mas o que algumas pessoas não conseguem compreender é que essa condição só mostra o quanto todos somos humanos, imperfeitos e frágeis; inclusive os “poderosos”, claro!, e que não há necessidade de esmagar o outro, para demonstrar a própria sabedoria. Não existe nenhuma possibilidade de alguém ocupar o lugar que não lhe pertence, porque, não fosse a lei da Física em que cada corpo só pode ocupar um lugar no espaço, cedo ou tarde seria desmascarado; assim, cada um só ocupará, unicamente, o próprio lugar.
Existe atualmente um discurso já tão repetido, que vem se tornando um jargão vazio, uma bandeira esfarrapada, que é o discurso da inclusão, do respeito à diversidade; porém, parece não haver nenhum entendimento de que o preconceito não se refere, apenas, à cor da pele, à opção sexual, ao gênero...Também existe o preconceito intelectual, o preconceito contra a condição que tem o outro de ser criativo, competente, o preconceito contra o pensamento divergente, que é tão devastador, tão mesquinho, e faz tanto mal quanto qualquer outro.
Há pessoas que, mesmo tendo excelente nível de escolaridade - o que não implica em nível cultural de alto padrão - que não conseguem ir além, que não conseguem escapulir das bitolas, dos limites, parecendo ser ofensivo a simples condição de alguém que não tem o mesmo nível acadêmico, mas pode ser competente, ter mais facilidade de percorrer caminhos outros; aqueles que margeiam as grandes estradas da sabedoria; aqueles que sobrevivem tão belamente nos desvãos, nas entrelinhas, na reimaginação, naquele confortável e doce “entre-lugar”, como diria Renato Rosaldo, que vivem nas “zonas de diferenças”, mas que, e por isso mesmo, se constituem um manancial de possibilidades... Pessoas assim são consideradas polêmicas, e até “criadoras de caso”, o que, cá pra nós, pode ser muito bom, muito saudável... Só polemiza quem pode, quem pensa e tem lastro, quem tem base e argumentos para sustentar uma discussão, e essa condição não pode ser vista como desrespeito, como desarmonia, mas ser enriquecedora; não deve ser encarada como usurpação do poderzinho ao qual algumas pessoas se apegam, vivendo em estado de epifania, como se fora um direito só concedido aos que ostentam a coroa naquele fugaz momento em que se sentem ungidos pelos deuses do poder.



Todos têm o direito à liberdade de pensamento, à criatividade, à liberdade de se expressar. Que educadores, que professores, que pais somos nós, afinal? Seria através dessas posturas, dessas atitudes que pretendemos orientar os nossos jovens?

quinta-feira, setembro 29, 2011

Campo de Força; indução eletromagnética (explicando a Ciência com sensibilidade) guacira maciel

Estou sempre muito envolvida na busca dos porquês das coisas para tentar compreender um pouco a vida e os elos existentes entre elas, e evidenciar a natureza única que somos todos.
Assim, continuando a percorrer esse caminho, cujo objetivo é mostrar que Ciência e Arte não são coisas diferentes ou estranhas uma à outra, ficando esta última restrita ao universo do imaginário, e que a Natureza é regida por leis gerais aplicadas a todas as dimensões, sendo suficiente apenas, que busquemos os elos que as tornam única e mais, a percepção de que o belo está na gênese de todas elas, me deparei com os campos de força e, como sempre, fiquei perplexa... Primeiro tentarei com a minha compreensão da Arte, dar uma explicação prévia sobre isso tudo e depois partirei para a similaridade encontrada através de um olhar ousado, sem amarras, que permite ampliar essa compreensão, pois acredito que a ciência não faria sentido se não encontrasse eco na nossa necessária forma de estar na vida. Segundo Michel Faraday (1791 -1867) a idéia de campo de força, destaca a “importância fundamental das prioridades físicas e geométricas do próprio espaço e se caracteriza pela força que ele exerce na partícula eletrizada, em movimento”.
A partir daí pode-se compreender que o Universo seja formado por partículas (que sempre geram em torno de si algum tipo de força). Essas partículas são centro de volume e espaço e as forças de atração ou repulsão agem através delas, sendo que sua intensidade ou capacidade de interação diminui ou aumenta tomando como parâmetro a distância compreendida entre elas; esse “lugar” no espaço é definido como CAMPO DE FORÇA (localizado entre volume e espaço), e atuará e influirá interagindo com outro, dentro do campo próximo ou distante (espaço); assim, campo de força são as partículas atuantes que se localizam no espaço existente entre aquele objeto e a sua distância de outro, ou no volume de espaço em volta deles.
Logo, campo de força é o volume de espaço que há entre as partículas, sendo que as interações entre elas ocorrem de acordo com as intensidades de cada uma. Assim, uma partícula (eu), e fonte de campo de força, sempre responderá a um campo criado por outra partícula semelhante (o outro). Quero reiterar duas coisas: uma, é a compreensão de que jamais estamos isolados no Universo, nunca estamos sós; outra é que somos parte de uma Natureza única (energia), interagindo como forma de ampliação e possibilidade de interação... por isso, o que entendo ser um olhar quântico, como o seu próprio princípio, é um olhar de possibilidades: é possível que, em havendo uma força de atração em torno de um volume que propicie a aproximação, isso possa ocorrer. Entretanto, apesar de fazer parte de uma mesma Natureza, não haverá interação entre as partículas (eu e o outro) se as mesmas estiverem, como descreve a ciência, isoladas numa distância tão grande que os campos de força de ambas não possam se responder mutuamente (porque o volume de espaço terá aumentado em demasia).Essa compreensão está de acordo com a teoria geral da relatividade proposta por Einstein (que ainda continua valendo), que incorpora o efeito da gravidade, segundo a qual a “distribuição de matéria e energia no universo deforma e distorce o espaço-tempo, fazendo com que não seja plano”; assim, embora os objetos nesse espaço-tempo tentem mover-se em linha reta, na verdade se movem afetados pelo campo gravitacional.
Utilizando essa lei da ciência, como de resto todas as outras, em todas as dimensões, pode-se perceber a verdadeira teia da vida; não há diferença alguma entre elas, porque não somos parte da Natureza, somos a própria Natureza; compomos uma única e ampla ecologia (uma única energia)!
Pode-se perceber e explicar que as leis que regem a vida, sob todos os aspectos não diferem umas das outras. Neste caso específico estaria explicado por que, no distanciamento, as relações tendem a se findar, visto que, o campo semelhante se teria afastado demasiadamente. Sendo partículas (eu e o outro), fundamental é que ocorra a interação através das linhas-de-força (o espaço, a distância ou os liames), para que se mantenham as relações no espaço em que atuam, e não uma fusão, porque a integridade de cada uma precisará ser mantida, podendo assim, se ampliar e enriquecer nesse contexto, como ocorre também nas relações entre os seres; é preciso que a identidade de cada um seja preservada, ou se findariam as possibilidades...
Mas essa lei de atração e repulsão entre campos semelhantes, também pode nos referir quanto à atração entre opostos (diz-se que “os opostos se atraem”, nem tanto...), como estamos acostumados a ouvir quanto às relações pessoais; entre eles existe, sim, como entre todos os corpos, uma “química”, uma lei da Física que tende para a atração, embora nem sempre isto ocorra, porque não se mantêm suficientemente próximos, como ocorre aos semelhantes; tomemos como exemplo, os pólos extremos do planeta terra. Eles se atraem, apenas, com o objetivo de manter íntegro o necessário espaço para que exista o volume ou massa (grosso modo) que constitui a integridade do planeta; e tão longe, através das mesmas linhas de força, que não haverá como ocorrer uma fusão, conforme explica a lei de atração e repulsão. Caso contrário, pensemos, o que poderia acontecer se os pólos da terra tivessem seu campo de força tão diminuído, que terminassem por se encontrar? Só posso imaginar que a terra se achataria... o mesmo processo acontece com pessoas, cuja distância estabelecida pelo campo de força é tão extenso (garantindo a necessária distância existente entre ambas), cujo universo pessoal ou micro mundo está tão longe do outro que não se comunicam, não se aproximam, lhes sendo, tão somente, permitido o poder de sedução que essa condição impõe e assegura; o campo de força as mantém afastados; no entanto, caso se desse uma fusão, ainda que momentânea, poderia ocorrer um choque, que mudaria seu sentido de existir e sua trajetória própria.
O que posso deduzir é que, como opostos que precisarão assim permanecer (como os pólos extremos da terra), algumas pessoas deverão compreender a necessidade de existir da força de atração e repulsão, somente enquanto possibilidade, cuja missão seria, creio, assegurar o necessário cumprimento das leis que regem o Universo. E, uma vez que a Natureza é una, todos os seres estão nelas incluídos de forma igual, ainda que mantidos à distância, até para assegurar sua própria integridade e razão de existir.

domingo, setembro 25, 2011

Degustando meu próximo livro, "Cruz do Meu Rosário..."

Os filhos de Marta e Carlos costumavam, junto com alguns primos, passar as férias na ancestral fazenda. Em registro encontrado numa velha caixa, assim se referiu a penúltima filha do aventureiro casal:





___ Quando criança ia passar férias lá na fazenda e me lembro como se ainda estivesse diante dos meus olhos, da reprodução de um retrato a bico de pena desse senhor bigodudo - Duarte Pacheco Pereira - que mais me amedrontava, pois não sabia o que, exatamente, fazia ali na parede daquela misteriosa sala. Mas isso parecia já não ter a menor importância, mesmo porque esse capítulo da nossa história subjaz a versão da história oficial...
O velho solar ancestral construído sobre uma elevação que lhe conferia certa imponência, era tão fantástico com aquela infinidade de janelas azuis (ou verdes?), cujos peitoris assentados sobre paredes de 1.00m de largura, acomodavam deitado o meu corpo de criança, onde gostava de ficar a sonhar. Acho que já existia em mim, de forma latente, o gosto pela arte, pois comumente estava fora da realidade do que ocorria à minha volta; me sentia uma sinhazinha em seu “feudo”, instalado nos velhos salões em desuso, da parte de trás do assombroso ( e "mal assombrado") casarão, com o assoalho já carcomido em sua parte central e que, ao sentir o peso dos nossos corpos correndo ao brincar de esconde esconde, gemia pedindo sossego.
Lá, brincava com irmãos e primos e às vezes, como me distraia encarnando algum personagem de outra época, que vivia nas histórias que ouvia das minhas tias e empregados, e também no meu vivo imaginário, nunca era encontrada, ficando para trás nas brincadeiras. Quando dava por mim estava sozinha e com medo dos fantasmas que os supersticiosos diziam morar por ali. Os que via – não apenas imaginava – não eram fantasmas; mas lindas mulheres, sendo eu mesma uma delas, rodopiando em vestidos de seda parecendo verdadeiras borboletas emergindo das vaporosas saias sustentadas por anáguas com aspecto de asas coloridas; os colos cintilantes com as pedrarias ostentadas, elas imitavam pombas arrulhantes, corando aos elogios dos seus admiradores - bem, não sei se seria assim, verdadeiramente, já que entre essa época e agora, quando resolvi registrar essa história, já se passou muito tempo e poderei estar descrevendo uma imagem acrescida de outras experiências, leituras, filmes (inclusive imagens, por exemplo, de “E o Vento Levou...), e mais aquela impressão que a gente tem quando olha para um passado tão puro vivido na nossa infância - .
Um pouco abaixo, fora do casarão, ao seu lado direito, ficava o curral, onde, pelas quase madrugadas, ainda de pijamas de flanela iamos todos beber leite cru “pra ficar forte”, quando me punha a observar, encantada, o azáfama dos vaqueiros sob a orientação de Ernesto, neto de escravos do antigo Engenho. O velho vaqueiro mor distribuía as ordens em lamentoso tom de voz, remanescente, talvez, das lembranças retidas na sua memória, sobre o dia-a-dia da senzala, cujas casas, já em ruínas ainda conheci, habitadas por velhíssimos descendentes de escravos que não tiveram outro lugar para morar após se verem livres do vergonhoso estado de escravidão em que foram jogados.
Mas como desconhecia todas essas mazelas na pureza da infância, achava doce adormecer na fazenda. As lembranças do ocaso contêm ainda hoje o som da brisa fresca nos canaviais e o cheiro doce da cana-de-açúcar ao receber o bafejo dos ventos noturnos; dos gritos dos vaqueiros colocando o gado dentro do curral para passar a noite; do canto dos grilos e dos sapos – a mim, me sabia a canto – além, lá pelas tantas, dos barulhos do velho casarão, feitos por seus ativos habitantes noturnos; alguma coisa entre ratos e fantasmas, personagens das histórias contadas pelos empregados, sobre escravos arrastando grilhões e entoando cânticos saudosos que falavam da sua terra natal, de onde haviam sido brutalmente arrancados pela ganância e o desrespeito, muitas vezes com a conivência do seu próprio povo.
O amanhecer, não menos gostoso, exalava um cheiro que prenunciava as delícias que teríamos ao fartíssimo café . Aliado àquele barulho tão característico, ouvíamos ao longe o burburinho da lida dos empregados. O ranger musical do carro de boi transportando a cana recém ceifada dos pés, ao ritmo cansado da parelha de animais, e o chiar das palhas se arrastando malemolentes no chão por onde o carro passava entre buracos e saliências do barro vermelho do massapé, a caminho da usina; dos gritos dos vaqueiros separando o gado para levar aos pastos; dos bezerros gritando por se verem afastados das gordas tetas de suas mães, que agora teriam outras bocas para alimentar. Mas da cozinha...ah!...dali vinha o melhor de todos os barulhos e cheiros, como aquele do café que em breve agasalharia os nossos ávidos estômagos de crianças, com banana frita, queijo caseiro, cuscuz, beiju na manteiga, coalhada e outras delícias.
Meu avô materno era poeta e grande apreciador da música e da boemia, tendo gastado grande parte da sua fortuna pessoal ao promover festas durante as quais hospedava, e nutria, em sua própria casa toda a orquestra, que mandava vir de fora, para desespero de sua submissa esposa e felicidade da prole. Era um homem de letras e tinha um especial olhar sobre a vida.
De sua esposa, minha enigmática avó materna, pouco tenho a dizer, pois encarnava o papel da simplória matrona, apesar do nível social ao qual pertencia, que passou o pouco tempo que viveu a cuidar dos dez filhos que gerara, oferecendo o necessário sossego ao senhor seu marido, para que pudesse exercer o cargo de respeitável juiz de comarca. Morreu jovem, deixando pequenos alguns dos dez filhos, que ele, sozinho, teve grandes dificuldades em criar. Em consequência disso, espalhou-os entre a família como quem o faz com uma ninhada de gatos, o que nunca pude entender muito bem. Entretanto, quero crer que tenha sido menos por desamor e mais por absoluta incapacidade de realizar a árdua tarefa, uma vez que às mulheres sempre coube esta missão".

segunda-feira, setembro 19, 2011

Cópula infinita (guacira maciel)

E entregam-se
céus e terra
na grandeza das águas
à cópula infinita...
acolhendo a energia que destila o sol
na perene cavalgada
sob a suave luz da lua
Eva esvai-se
combinada ao elixir da imortalidade
liquefazendo-se ouro...
e correm pelas veias do dragão
refinados
os três tesouros

na eterna alquimia
energia

vida
e alma...

sábado, setembro 17, 2011

Varanda alta (guacira maciel)

É uma tortura tê-lo guardado lá, naquela varanda alta da nossa adolescência, cabelos dourados como o sol, cuidadosamente penteados; um príncipe encantado e quase triste, de calções, sem roupa de gala, espada e, principalmente, sem cavalo branco, mas um príncipe.
Gostaria de poder tirá-lo daquela varanda adolescente e levá-lo para minha infância, amor de infância é mais suave, não dói tanto; acho que é porque a gente não tem ainda os hormônios que mobilizam as emoções, explodem tudo, gravando a ferro e fogo as imagens no coração.
Mas decidi despedir-me da varanda. Quero esvaziá-la e sair rápido, sem olhar pra trás, como se sai de uma velha casa em ruínas, onde a gente passou toda a vida e da qual, agora, está sendo despejado; uma saída compulsória, porque ela já não tem condição de abrigar nada. Mas para isso é preciso expulsar um morador antigo, que se instalou lá naquela varanda alta e é mais teimoso do que eu.
Como abandonar a velha morada se lá existe alguém que não quer sair? Tudo está desmoronando ao redor, mas o teimoso coração, como a casa, insiste em se manter abrigo, ainda que tudo seja desabrigo: janelas fechadas como olhos baços pela ausência, (dizem que eles são as janelas da alma); encanamentos enferrujados por falta do correr impetuoso da água em seu interior, as pobres válvulas com suas roscas aluídas, já não mantêm a necessária pressão; os móveis, o sofá da sala, que já acolheu corpos jovens, dilacerado expondo vergonhosamente suas entranhas; e o jardim? este, já não tem canteiros floridos, grama úmida e fresca, mas galhos secos retorcidos, como garras.
Só ficou teimosamente verde e viva a velha árvore (que pode nem ter existido), agora cabide de todas as lembranças. Ela, sim, ainda abriga flores, frutos e pássaros que vêm a cada primavera, como a esperança, qual uma promessa ainda não cumprida. Isso, porque possui raízes fortes e profundas fincadas no jardim lá daquela casa com varanda alta, da nossa adolescência, que por instantes pareceu voltar impetuosa, latejando e derramando sangue novo, como artérias desobstruídas após a quase-morte, trazendo vida e flores, e frutos, trazendo novas cores, vento fresco e muito azul.
Como trancar a velha casa de varanda alta, sair silenciosamente, para evitar que o velho morador, teimoso, volte ao aconchego do antigo abrigo?

domingo, setembro 11, 2011

Sintágma (guacira maciel)

Radicalmente arbitrário
o sinal verde
mas o azul ao contrário
arbitrário relativo
tem um ponto positivo
mesmo sofrido e doído
se
relativamente motivado
azul ou verde não importa
cedo ou tarde será prado
e então terá valido
vai é oposição de vamos
mude-se a idéia a exprimir
não buscando exatamente
a unidade buscada
outras tantas hão de vir.

quinta-feira, setembro 08, 2011

Desordem... (guacira maciel)

Lá atrás já falei de uma (des)ordem. Mas esta aqui é desordem mesmo, confusão...
Estou assim, confusa. A muitos dias que pego o meu velho caderno (o meu muro de lamentações), para tentar dizer coisas que me vêm incomodando, mas não era chegada a hora; sempre fechava-o, porque nada tinha coerência e ainda não sei se tem...
O assunto principal é você! Você mesmo; você que bagunçou a minha vida, que entrou nela sem ser convidado, me tirou o chão, e ocupou cada espaço, cada minuto dela por tanto tempo, sempre com o mesmo encanto, a mesma doçura, a mesma delicadeza e a mesma mentira. Esta ultima palavra é terrível de dizer junto às demais; ainda não a aceito.
Sabe o que me ocorreu? Lembrei que li em algum lugar sobre dois corações... e você parece ter dois corações. O primeiro, que conhece todos os caminhos que levam à minha alma, é quente como um pequeno abrigo onde parece haver sempre uma lareira acesa, como nas descrições dos romances vitorianos. Nesse coração o fogo está sempre estalando e explodindo em labaredas dançantes, que lembram pequeninas línguas. Esse coração mantém a porta sempre aberta e me recebe sempre aos saltos, como na primeira vez.... Esse coração foi privilegiado por mim; dei-lhe toda atenção, talvez porque ainda não conhecesse o seu outro coração. No primeiro morou um amor tão especialmente mágico, que o simples fato de poder imaginar ser um dia lembrado como um sentimento diferente me faria ficar infeliz.
Mas o seu outro coração, que acabo de conhecer, é cruel, é frio como gotas de gelo. Será que você existiu mesmo? Teria sido você um homem real? Por que isso me incomoda tanto? Sabe como é...a nossa mente é uma máquina fantástica, e eu acho que criei você para me dar abrigo junto àquela lareira acesa; eu estava tão só e sentia tanto frio... que aquela ideia me trouxe conforto; foi um acalanto, e eu dormi, permitindo que você saísse da minha imaginação, e foi tão perfeito que não fiquei triste quando você se foi, porque, embora tenha sido uma partida brutal, você era um estranho; nesse dia comecei a conhecer o seu segundo coração. Mas eu teria gostado tanto que você fosse de verdade... Aliás, achei que era tão verdadeiro que nunca pensei que voltasse a viver só na minha imaginação. Mas não existe perfeição e uma linda bolha de sabão, de temporário azul, tende a desaparecer; e com tanta rapidez se pos fora do meu alcance...pudera! Mas estou feliz por ter criado algo tão perfeito; uma espécie de real imaginado. Isso pode até provar que os poetas não mentem, como disse Pessoa, mesmo que eu não seja poeta...