quinta-feira, outubro 21, 2010

Continuando... "Qual é a nossa história, afinal? - II -

O mito do “descobrimento” – acaso?
Existem algumas teorias de estudiosos que comprovam que o Brasil recebeu o primeiro visitante em 1498 ( ver Jorge Couto, Historiador da Universidade de Lisboa; José Manoel Garcia, pesquisador especializado em História dos Descobrimentos, do Centro de Estudos Históricos da Faculdade de Letras de Lisboa, para quem "a viagem de Cabral continua a ser considerada o descobrimento oficial do Brasil apenas por uma questão de tradição e de comodidade"; o pesquisador espanhol Juan Gil, da Universidade de Sevilha, e o francês Serge Gruzinski do Centre Nationale de Recherches Scientifiques). Trata-se do português Duarte Pacheco Pereira, um gênio da cartografia citado por camões em “Os Lusíadas”. Seu trabalho “Esmeraldo de situ orbis” é uma obra prima, um tratado dos registros dos novos lugares da Terra que estavam sendo explorados por seu povo durante aquele período chamado das grandes navegações, já iniciado. Entretanto, como não era estratégico divulgar a notícia por causa do ainda não definido “Tratado de Tordesilhas”, ela foi postergada. O rei D. Manuel considerou as informações contidas nessa obra tão valiosas, em relação às questões náuticas, geográficas e econômicas, que jamais permitiu que a mesma fosse publicada. A seguir transcrevo um trecho que, entendem os estudiosos, poderia ser considerado uma das provas desse acontecimento:
“Como no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde nos vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é achada e navegada uma tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada. Tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura, que de uma arte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e o cabo dela. É achado nela muito e fino Brasil com outras muitas cousas de que os navios nestes Reinos vem grandemente povoados”
Mas existem outras hipóteses que colocam mais algumas figuras no cenário do "descobrimento" do Brasil: o navegador espanhol Vicente Pinzõn; uma armada chinesa, em 1421, segundo Gavin Menzies, e até os fenícios já transitaram por essas bandas tropicais por um período de 800 anos.
“Descobrimento” acidental por afastamento da costa em vista das “calmarias”? Ora, eles já sabiam que a nova terra era economicamente promissora; a Carta de Caminha fornecia o mapa da mina, literalmente, mas só após 30 anos os portugueses iniciaram suas investidas, num processo que chamaram de “colonização”, na tentativa de encobrir seu verdadeiro objetivo, que era dominar esse povo estranho para explorar a terra com mais segurança e menos problemas. Esse processo foi determinante para que fossem criados, em consequência, outros grandes mitos, a exemplo de Tiradentes/Inconfidência Mineira.
Vamos continuar...

Supermundo (guacira maciel)

Parece um sonho recorrente da humanidade, viver no mundo perfeito, embora historicamente o homem não venha fazendo nenhum esforço para que isso ocorra, apesar das tentativas infrutíferas de alguns grupos específicos em conscientizar a todos sobre a fundamental importância de conviver num mundo com menos injustiças, mais respeito à sua natureza ampla, mais sensibilidade, mais tolerância, com aspirações menos materialistas e mais nobres, e a compreensão de que a perfeição não existe, uma vez que o homem é insaciável em suas ambições.
Ao encontro dessas reflexões vieram outras, estimuladas por um filme que assisti sobre o Super Homem e sua parceira Louis Lane, em que o vilão encontrava-se terrivelmente entediado porque vivia no mundo perfeito da utopia, idealizado pelo casal em questão. A partir daí a cabeça deu voltas à imaginação e foi invadida por um turbilhão de pensamentos, de analogias e referências, principalmente no âmbito da Filosofia e da Literatura, que me deixaram meio tonta. Viver no mundo perfeito teria muitas implicações, vantagens e desvantagens, satisfações e insatisfações, que interfeririam também em suas relações e seus mistérios.
Por outro lado, algumas questões que hoje são alvo de muitas discussões, muitas de conotação ética, precisariam ser analisadas... Bem, a partir daí lembrei da maior pretensão de vida harmônica e fraterna considerada a grande referência da maioria das sociedades em se tratando de reformas sociais: a proposta de Platão em sua “República”, escrita mais ou menos em 370 a 380 a. C. , em que foi usado, inclusive, o Mito da Caverna como fundamento e forma de superação do caos da realidade, tendo a racionalidade como estrutura, o que já se poderia considerar um ritual de passagem em relação à percepção das realidades, porque ocorre aí uma profunda ruptura que encaminha o homem ao conhecimento de si mesmo e de outros universos possíveis.
Aliás, os diálogos de “O Banquete” ocorridos mais ou menos à mesma época (380 a. C.), são vistos por mim como um acalorado papo de ressaca em que se elocubrava não apenas sobre o amor, de certa forma antecede o que foi proposto para “A República”, levando a crer que o “Simposion”, uma resposta da Polis contra as acusações da Filosofia, propõe que as cidades se pautem por um novo modelo, baseado na civilização ocidental e governada pelos “politikos”, ou seja, homens nascidos naquele solo, livres e iguais. Lá no “quarto passo” da escada do amor, Platão retoma o amor mais abrangente conduzindo ao “quinto passo” que evidencia o modo de funcionamento de uma sociedade harmônica e equilibrada, que “A República” cita como sendo amor pelas instituições belas, incluindo o interesse pelo bem comum. No “sexto passo” estabelecem-se elos entre as leis que “governam o indivíduo, a família e a sociedade”, embora indo além desse universo; o discurso ultrapassa o que seria um modelo de sociedade ideal e se reveste de um caráter completamente utópico, bem evidente no livro IX, em que o ideal humano tem foco na figura do filósofo como sendo um ser de elite, acima e além do homem real, animal. Entretanto, também se percebe algum bom senso e, de certa forma, um retorno àquele homem ‘primitivo’ mais puro, que produzia para obter o necessário à sobrevivência, sem a valorização doentia do supérfluo, entendido como excesso de cobiça que governa os desejos levando-os à insaciedade nas conquistas materiais, e à violência.
Platão entende que esses homens seriam ideais como administradores; ele estava falando de uma classe específica de pessoas à qual poucos pertenciam. Não seria essa supremacia intelectual uma forma de eugenia? Que, embora não se refira à questão étnica, me leva a perguntar: a que classe social pertenceriam esses sujeitos? Seu pensamento também se aproxima do homem ideal de Nietzsche, marcado pela força de caráter e de personalidade. Mas um super homem, “salvador”, também seria um ser incomum, dotado de virtudes e talentos especiais com condição de conduzir os destinos da humanidade; nessa questão, me parece, embora ambos promovam algum tipo de restrição, também sonham com uma vida que se fundamenta no bem estar comum, sendo que para Nietzsche o super homem é tão autônomo e poderoso que nos encaminharia ao mesmo homem contemporâneo, ávido de poder e de conquistas materiais...

domingo, outubro 17, 2010

Estou fascinada pelo livro "Comer, amar, rezar"....

O livro “Comer, amar, rezar”, de Elizabeth Gilbert, se constitui, não apenas o relato das suas viagens pelo mundo, mas, principalmente, a sua busca por Deus e pelo próprio equilíbrio. Não o achei um livro ‘levinho’ para ser devorado, consumido como um best seller, aliás, nem sei porque se tornou um best seller (teria sido, realmente entendido?)e por isso, talvez não me interesse assistir ao filme; para não se perder em mim a sua essência. Uma essência que não vem aleatoriamente do que ela narra, mas das reflexões que essa narrativa me proporcionou.
Vou me permitir registrar aqui alguns desses momentos:
“A cultura balinesa é um dos sistemas de organização social e religiosa mais metódicos da terra, uma maravilhosa colméia de tarefas, papéis e cerimônias [...]. O cultivo do arroz em terraços de nível exige uma incrível quantidade de trabalho, manutenção e engenharia coletivos para poder prosperar e, portanto, cada vilarejo balinês tem o seu banjar, uma organização unida de habitantes que administra, por meio de um consenso, as decisões políticas, econômicas, religiosas e agrícolas do vilarejo. Em Bali, o coletivo é totalmente mais importante do que o individual, senão ninguém come”
“A pior coisa que se pode ser em Bali é rude e animalesco [por esta razão, numa das cerimônias de puberdade, os dentes caninos são lixados até a altura dos outros, porque esses dentes seriam remanescentes da nossa natureza mais brutal]. Toda a rede de cooperação de um vilarejo poderia ser destruída pela tendência assassina de uma só pessoa. Portanto, a melhor coisa que se pode ser em Bali, é alus, que significa “refinado” ou mesmo “embelezado”. A beleza em Bali é algo bom, tanto para mulheres como para homens” A beleza é reverenciada e representa segurança.
“Deus vive dentro de você, como você; como você. Exatamente da maneira como você é. Deus não está interessado em ver você executar uma pantomima de personalidade, de forma a corresponder a alguma idéia maluca que tenha sobre a aparência ou o comportamento que tenha de alguém espiritualizado. Nós todos parecemos ter uma idéia de que, para sermos sagrados, precisamos operar uma mudança dramática em nosso caráter, precisamos renunciar a nossa individualidade”. Segundo ela, um dos seus guias espirituais nessa busca disse que no Oriente isso é chamado de “pensamento errado”, pois a cada dia teríamos mais e mais coisas às quais renunciar, levando em geral a uma depressão, não à paz. O mais maravilhoso, segundo ele, é que para conhecer Deus, só precisamos renunciar a uma coisa: à noção de que somos algo distintos de Dele! Importante é aquietar a mente: “muitos de nós olham para o fogo e vêm apenas o inferno”...
Entretanto, não vou poder contar todas as maravilhosas oportunidades de refletir que encontrei nessa obra; desejo que a leiam. Mas vou finalizar aqui, com algo que também me fascinou, pois é o que penso sobre a felicidade. Para sua orientadora espiritual, um dos ensinamentos fundamentais é: “as pessoas tendem a pensar universalmente que a felicidade é um golpe de sorte, algo que talvez lhe aconteça se você tiver sorte suficiente, como o tempo bom. Mas não é assim que a felicidade funciona. A felicidade é conseqüência de um esforço pessoal. Você luta por ela, faz força para obtê-la, insiste nela, e algumas vezes viaja o mundo à sua procura. Você precisa participar o tempo todo das manifestações das suas próprias bênçãos. E, uma vez alcançado um estado de felicidade, nunca deve relaxar em sua manutenção; deve fazer um esforço sobrehumano para continuar para sempre nadando contra a corrente rumo a essa felicidade, para permanecer flutuando em cima dela”. O mais incrível é que a tristeza e a infelicidade são causadas por pessoas infelizes, e não “apenas no nível global (a exemplo de Hitler, etc...), mas no nível menor, pessoal de alguém”.
Essa busca, portanto, não é uma atitude egoísta, mas de doação, de generosidade, pois assim deixamos de ser um obstáculo para nós e para o outro, para o mundo...

sexta-feira, outubro 08, 2010

Qual é a nossa história, afinal? - I - (guacira maciel)

O frevo é africano. Qual não foi a surpresa do médico baiano Paulo Fernando de Moraes Farias (e a minha) - que entendendo que para conhecer a África como África e não como Brasil teria que ir lá - ao ouvir, paralisado (se isso for possível), numa festa de casamento no Mali, um grupo de músicos da Costa do Marfim tocar um frevo rasgado?
A partir daí comecei a questionar outros conhecimentos da nossa cultura; também me questiono se o nosso país é híbrido, ou profundamente ambíguo... O que, realmente, constitui a nossa identidade como povo, se o que consideramos nossos símbolos, não são apresentados em sua versão verdadeira, ainda que não genuinamente nossos?
A disseminação, e insistência em fazê-lo, de uma história distorcida por interpretações errôneas e tendenciosas, trouxe como legado a construção de uma memória com raízes flutuantes. Quem somos nós, povo brasileiro? Qual a nossa verdadeira história? O que, na nossa cultura é mito, lenda, distorção, ou fruto de interpretação, muitas vezes preconceituosa, já que, invariavelmente a versão se sobrepõe ao fato histórico, com a finalidade de atender interesses inconfessáveis?
Como educadora me pergunto ainda por que continuamos a divulgar entre nossos jovens uma história falsa, tendenciosa, mitológica e recheada de monstros sagrados inventados. A história contada nos livros didáticos é da carochinha, porque se fundamenta em “causos” sobre personagens fictícios. Urge dessacralizar essa construção contando a verdadeira, ainda que híbrida. Precisamos construir nossa identidade baseada numa verdade, e fincar nossas raízes em solo firme, para que elas possam se aprofundar, se fortalecer e ramificar, levando esse povo a ter orgulho do que realmente é. Partindo dessa compreensão e entendendo a necessidade de reunir coragem para isso, nomearei alguns mitos construídos por interesses historicamente referendados; neste caso, não procede o fato de que, por ser aceita por todo um povo através dos séculos, ela terminará por se tornar uma verdade.Assim, relatarei algumas dessas distorções que considero graves, porque se tornaram alicerce para uma grande mentira...

(vamos continuar...)