quarta-feira, julho 28, 2010

Educação, Literatura e Cidadania (guacira maciel)

Diante da solicitação de escrever sobre os três assuntos acima, pensei: como falar de coisas tão diferentes em seus mistérios?
Imediatamente me veio à cabeça o “Livro dos Mistérios”, de Clarice Lispector, onde se lê “só poderia haver encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões”.
Aqui temos três mistérios; não só porque de universos aparentemente diferentes, mas porque não sabemos ao certo o que fazer para que aconteçam. Ainda assim, buscarei mediar essa entrega de forma a que as compreensões pertinentes a cada um dos universos encaminhem os leitores a uma possível sintonia.
Para Einstein, “educação é o que permanece quando alguém esquece tudo o que aprendeu no colégio”. Podemos entender seu ponto de vista, uma vez que conhecemos a trajetória escolar desse gênio, similar ao que vem ocorrendo com a juventude nas nossas escolas, no seu processo de escolarização, em se tratando do prazer, como já nos refere Erasmo de Roterdam, em “De Pueris”, sem aprofundar, neste momento, outros aspectos também fundamentais. Sim, educar-se precisa, deve, ser um ato de prazer; nisto reside o seu mistério. Educar-se, porque cada sujeito é autônomo em seu processo de aprendizagem, cabendo ao professor o importante papel de mediador, e à escola, o de agente, de coadjuvante, através de uma proposta que reconheça e acolha as aprendizagens construídas fora dos seus espaços, plenas de prazer. As experiências construídas nas dobras e nas esquinas desse aparente “nonsense” se articularão no âmbito sensível cognitivo da experiência escolar, de forma a que esse conhecimento seja ampliado e aprofundado, numa entrega entre duas realidades complementares.
Essa atitude dará ao processo educativo um caráter libertário porque seu papel é instrumentalizar o jovem a detectar dificuldades e potencialidades que deverão encaminhá-lo à autonomia sob vários aspectos, de forma a possibilitar a afirmação de suas identidades, ainda que um processo em permanente construção. Aqui já estamos falando dos mistérios contidos na compreensão de cidadania, que é muito ampla, não implicando apenas em direitos, mas em compromissos: consigo, com o outro, com o patrimônio histórico cultural, natural, etc.
Quanto à Literatura, entendo ser uma prática humanizadora em seus mistérios, cuja premissa é instigar, seja na perspectiva do leitor, seja na do escritor.
Há muitos sentidos para Literatura, porém, fundamental é manter com ela uma relação de estranhamento, para que se preserve esse sentimento de mistério contido na subjetividade; a compreensão de que, em desprezando o literal, ela busca descobrir o subjacente, aquilo que está implícito; a nossa condição de humanidade, sem, no entanto, querer explicá-lo. Ela persegue o “valor mutante e mutável da palavra”, apenas questionando-o, buscando um sentido que lhe atenda naquele momento, o que se configura extremamente fugaz.
Embora exista a Literatura funcional e de entretenimento, o que não significa que o texto literário no qual se concentra a minha análise, não possa entreter ou informar, essa compreensão dependerá de quem lê, o objetivo da leitura e como se lê...essas diferentes formas de leitura deverão atender as necessidades e desejos de cada leitor.
O olhar poético não tem pressa em tirar conclusões, em interpretar, interferir intelectualmente no texto; num primeiro momento, apenas, se deixa afetar – relação de afeto que se estabelece entre os dois – neste momento o texto se deixa olhar sem pudor, e o leitor, como Augusto, o palhaço anárquico, se entrega à sua entrega.