Um dos meus mais acalentados sonhos era conhecer a Chapada Diamantina, porque desde muito pequena ouvia histórias fantásticas sobre a região, contadas por meu pai, que era de lá, e tinha um excepcional talento como narrador. Já havia quase desistido, quando meu psicanalista predileto fez O Convite...quase não acreditei! Daí em diante foram só planos; faltavam ainda 15 dias para a tão esperada caminhada - a proposta era essa: caminhar na Chapada - e eu já não conseguia dormir...Comecei a preparar roupas apropriadas, porque nesta época do ano aquela região, como de resto todo o interior da Bahia, é muito frio; era julho. Claro que nada disse ao realizador do meu sonho, porque ele poderia me achar muito ansiosa e estressada, coisas assim...sabe como são os psicanalistas, não? começam logo a enxergar um monte de paranóia na gente!
O grupo era composto de pessoas que eu não conhecia e isso foi surpreendentemente rico e prazeroso; houve uma sintonia absoluta, imagino até, que muito favorecida pelo próprio astral do lugar, em que o homem se integra ao seu habitat /gênese; a natureza. Engraçado observar o quanto somos afetados por essas coisas; o quanto mudamos nosso comportamento e nos tornamos mais humanos em ambientes mais ligados à natureza e desligados do nosso cotidiano desesperador vivido na urbanidade... Sem dúvida, por ser essa a nossa essência, a nossa natureza verdadeira.
Jamais vou poder esquecer esses dias, ainda que lá volte muitas vezes. Na verdade, existem momentos únicos na vida da gente; momentos irrepetíveis (podem acontecer outros até melhores); como se um portal se abrisse no Universo para nos dar de presente a magia que só pode ser percebida se estivermos muito atentos para pegá-la no ar, naquele exato momento!
Nunca pensei em praticar uma caminhada tão radical; escalei pedras que tinham três vezes a minha altura; pulei sobre formações rochosas, sob cachoeiras, que tinham verdadeiros abismos líquidos entre si; levei uma queda caindo dentro de um buraco arenoso, que me deixou as costas feridas e doloridas por dias após retornar. Porém nada disso foi mais importante do que viver aquela experiência.
Trouxe de lá guardados importantes, que, passados mais de quatro anos, ainda me alimentam; me levam a reavaliar algumas coisas...uma consequência deles é este poema que aqui vai, como resultado das minhas observações, da paisagem e sua velhíssima história, contada pelo nosso interessante e sádico guia, a quem apelidei de Fred Krueger (deu pra entender? rsrs), um verdadeiro compêndio da história, da geografia e da biologia da região, além das relações com alguém muito especial:
PEDRA DE FOZ
És como o grande abraço antisséptico
das imponentes pedras de foz
presença forte de eternas guardiãs
que são começo
mas também limites
mas também limites
tens imutável e frio o olhar
embora invejoso
embora invejoso
sobre os seixos que rolam sensuais uns sobre os outros
ao sabor do vai e vem das correntes
as pequenas pedras que se deixam envolver
nesse aconchego
nem por isso brilham menos
nem por isso brilham menos
mas não te sinto a grande rocha fria
tens o não assumido íntimo
louco pelo abraço
pelo perder-se do sujeito
pelo perder-se do sujeito
e misturar-se na inconsistente massa
se deixar lamber
e se deixar levar pelo canto úmido das águas
e conhecer seu leito.
e se deixar levar pelo canto úmido das águas
e conhecer seu leito.